A CONSTRUÇÃO DA FRENTE (AMPLÍSSIMA) E O REARRANJO DAS FORÇAS POLÍTICAS BURGUESAS

A CONSTRUÇÃO DA FRENTE (AMPLÍSSIMA) E O REARRANJO DAS FORÇAS POLÍTICAS BURGUESAS

Antes de mais nada, gostaria de me desculpar com o leitor-trabalhador que lerá este artigo. Isso não é porque aqui haja alguma coisa que ofenda sua consciência de classe, mas antes pela extensão do próprio escrito. Tenho plena ciência da falta de tempo que a classe trabalhadora se encontra por causa de trabalhos cada vez mais extenuantes, no entanto, foi mais que necessário escrevê-lo, para que cada trabalhador(a) tenha uma visão ampla do que está acontecendo. Sem mais, coloco-me à disposição da classe, a qual também pertenço, para quaisquer esclarecimentos e explicações — por Marchesano.

Antes de mais nada, gostaria de me desculpar com o leitor-trabalhador que lerá este artigo. Isso não é porque aqui haja alguma coisa que ofenda sua consciência de classe, mas antes pela extensão do próprio escrito. Tenho plena ciência da falta de tempo que a classe trabalhadora se encontra por causa de trabalhos cada vez mais extenuantes, no entanto, foi mais que necessário escrevê-lo, para que cada trabalhador(a) tenha uma visão ampla do que está acontecendo. Sem mais, coloco-me à disposição da classe, a qual também pertenço, para quaisquer esclarecimentos e explicações — por Marchesano.

A construção da frente ampla ou COMUMENTE chamada de “amplíssima” tenta salvar o que ainda existe do regime político democrático burguês, sacramentado pela Constituição Federal de 1988. Quatro podem ser os reais objetivos dessa construção:

  1. Manter o combalido regime republicano em funcionamento;
  2. Construir um espaço seguro para a transição do regime, uma espécie de mudança lenta, gradual e segura, que elimine totalmente os trabalhadores do pleito político burguês e possibilite aos partícipes da frente amplíssima um espaço concreto no futuro regime;
  3. Ganhar tempo e musculatura para fechar o regime político e reajustar os mecanismos coercivos; ou
  4. Todas as alternativas anteriores.

Como é sabido, o presente regime democrático parlamentar burguês vive uma crise reflexa da crise do modo de produção capitalista. As novas gerações não mais se identificam com o atual sistema eleitoral. Dos atuais 140 milhões de eleitores, 35% estão entre os votos nulos, brancos ou abstenções — “Se o trabalhador vota de acordo com a indicação de seu empregador, o funcionário com a de seu governo, o católico cegamente de acordo com a ordem de seu padres e capelães, ou se o camponês aclama aquele que pela oratória ou meios materiais decidiu ganhá-lo para si, se, por fim, o interesse do povo ou do próprio eleitor pelo processo eleitoral é tão pequeno que só pode ser instigado artificialmente, deve-se então admitir que o resultado de eleições sob tais condições pouco tem de justo ou racional” (“Socialismo e Darwinismo” de Ludwig Büchner).

À vista disso, a burguesia, lutando contra o relógio das insurreições populares, tenta encontrar uma saída por cima através da construção de regimes bonapartistas de tipo soft, ou seja, regimes caracterizados por governarem em função das frações hegemônicas do capital, porém, com boa entrada nas massas populares por meio do apelo ao social.

Esse modelo de bonapartismo acaba contando com grande apoio dos grandes movimentos sociais, associações de bairros, lideranças estudantis e sindicais. O apelo feito ao social pelos regimes bonapartistas atuais consiste em dirigir as massas através de um modelo de assistencialismo responsivo, ou seja, o qual coloca diversos setores da sociedade como co-responsáveis na resolução dos problemas criados pela voracidade dos capitalistas.

Como devemos saber, todos os problemas de ordem social têm sua origem em decisões políticas tomadas pelas classes dominantes. Antes que os trabalhadores e a juventude percebam esses problemas, soluções são ofertadas não no campo político mas no campo da cultura organizacional das empresas. É por isso que diante da pior e mais devastadora crise capitalista, os jornais da ordem, exemplo o Valor Econômico, dizem que para combater tal crise é necessário — a promoção de um maior número de mulheres e negros em cargos de comando das empresas capitalistas.

Em essência, nada se altera. Seja negro ou branco, homem ou mulher, o lucro sempre será a palavra de ordem. Tal medida passa a ser diariamente defendida pelo conjunto dos capitalistas por duas razões: 1. criar um consenso de que toda a sociedade é culpada pelas crises capitalistas, por isso, a necessidade de um capitalismo dito responsivo; 2. desvincular todas as lutas e demandas políticas do conteúdo de classe. É nesse mote que entendemos a célebre frase da fração hegemônica do capital — Nem de esquerda nem de direita, a favor de gente boa.

A Oxfam junto à Coalizão Negra por Direitos é um exemplo disso. O slogan propagado por essas entidades no combate à fome demonstra o caráter do assistencialismo responsivo — “Tem gente com fome. Dá de comer!” A construção do verbo ‘dar’ no modo imperativo na segunda pessoa do singular não é uma construção arbitrária, mas expressa a ordem da classe dominante à sociedade em seu conjunto. O conteúdo implícito desta frase transmite a ideia de que a questão da fome é de responsabilidade de todos os setores da sociedade civil. Sendo assim, a resolução transfere-se dos reais culpados pela fome para os que sofrem com ela. Isto é, a frase tem o objetivo de transferir toda responsabilidade para as costas de quem é tão vítima quanto qualquer outro famélico, o conjunto dos trabalhadores e a juventude.

A prática da responsabilização coletiva dos problemas sociais segue o curso da agenda atual do capitalismo. A agenda encontra concreção na elaboração dos relatórios e pautas de seus enunciadores, entre os maiores encontramos o Fórum Econômico Mundial. Segundo Klaus Schwab: “é preciso que o capitalismo se transforme, não mais sob a égide dos antigos modelos neoliberal e estatal, é preciso que um novo modelo seja criado, baseado na teoria da responsividade social”. Neste modelo nem os Estados nem as empresas capitalistas poderão responder ou serem responsáveis pelas crises, e sim aquilo que as classes dominantes denominam como sociedade civil ativa.

O conceito de sociedade civil ativa foi criado pelo sociólogo Anthony Giddens, aparecendo pela primeira vez em seu livro “Terceira Via”, em 1998. Segundo o sociólogo, a formação da sociedade civil ativa é uma parte básica da política da terceira via. Essa parte é acompanhada também pela construção de duas outras partes não menos importantes para a burguesia — a de um novo Estado democrático e do individualismo como valor deste novo modelo de Estado. A promoção de uma sociedade civil ativa, segundo Giddens, busca um duplo rompimento:

1. com as esquerdas que defendem que os problemas sociais estão atrelados às políticas econômicas escolhidas pelas classes dominantes; e

2. com a direita tradicional sem interlocução alguma com o social.

As três partes básicas (sociedade civil ativa, novo Estado democrático e novo individualismo) para a construção da Terceira Via, na visão do sociólogo supracitado, são de extrema importância para a manutenção do capitalismo e, portanto, da classe dominante.

Segundo Giddens, no modelo de sociedade civil ativa, governos e sociedade civil devem trabalhar em parceria. Aproveitando as iniciativas locais, fomentando a transparência das esferas públicas e envolvendo o ‘terceiro setor’. O chamado terceiro setor, segundo Alessandro Visacro [2018]:

[…] é um termo sociológico originário dos Estados Unidos, que designa o vasto conjunto de iniciativas e atividades privadas de interesse público, “sem fins lucrativos”, com origem na sociedade civil (p. 200). Em termos conceituais, o terceiro setor é constituído pelo conjunto de agentes privados, não submetidos ao controle do Estado, cujos projetos e ações têm por propósito combater a exclusão social, assegurar direitos individuais e coletivos básicos e/ou preservar o patrimônio ecológico. O terceiro setor abrange um universo complexo e heterogêneo de atores sociais como fundações, entidades beneficentes, organizações não governamentais, empresas com responsabilidade social, associações comunitárias, serviços sociais autônomos, sindicatos etc.

Um campo fértil para ações paraestatais e para a ingerência dos países imperialistas sobre os países que tentam manter algum grau de autonomia de suas respectivas burguesias regionais.

sociedade civil ativa é caracterizada também pela criação de altos níveis de organização com propósito de levar a sociedade ao engajamento. O engajamento visa obter novos laços de solidariedade, não mais baseados em antigos modelos (leia-se: não mais forjados na luta política), mas em modelos pautados pela responsabilização dos [indivíduos] obrigados a se engajarem na resolução dos problemas sociais colocados. É aqui que se fundamenta as duas outras partes, o Novo Estado Democrático e o individualismo como valor deste estado.

Novo Estado Democrático, nas palavras do sociólogo da ordem, Giddens, seria: O Estado deveria expandir o papel da esfera pública, o que significa reforma constitucional dirigida para uma maior transparência e abertura, bem como a introdução de novas salvaguardas contra a corrupção (p.83).

Este modelo de Estado seria caracterizado pela descentralização política, dupla democratização (da democracia e da família), eficiência administrativa, mecanismos de democracia direta e governo como administrador de riscos.

Dentro dessa explicação dois pontos valem a pena ser destacados:

  1. democratização da democracia — que significa levá-la até às últimas consequências, conquanto, que as decisões político-econômicas permaneçam nas mãos dos grandes oligopólios empresariais e financeiros. Por essa razão é que um mesmo partido, neste caso o PT, consegue defender no Congresso pautas identitárias no mesmo instante em que promove a defesa da remuneração da sobra dos caixas dos bancos e se cala diante da aprovada lei de “Autonomia do Banco Central”. A democratização da democracia está também nos lábios do guru de Ciro Gomes, Mangabeira Unger, com outro nome — democracia de alta intensidade.
  2. Um governo como administrador de riscos é o que estamos vendo hoje, ele não pode e jamais poderá socorrer os famintos vítimas da predação capitalista, poderá somente socorrer a liquidez do sistema financeiro. É assim que entendemos a necessidade da manutenção dos diversos sistemas da dívida pública por partidos de esquerda e direita.

Em complementoNovo Individualismo seria a consolidação de uma consciência moral ampla, ligada às questões ecológicas, sexuais, de justiça social, direitos humanos e afins. O Novo Individualismo deve ser moldado, segundo Giddens, pelo senso de responsabilização dos indivíduos pelos fracassos ou sucessos sociais, pela máxima — Não há direitos sem responsabilidades.

Assim, o Novo Estado Democrático, a Sociedade Civil Ativa e o Novo Individualismo formariam o Estado de Bem-estar positivo, no qual a responsabilidade pela manutenção do bem-estar dos indivíduos, das famílias e da sociedade civil não seria mais de responsabilidade do Estado, mas sim tão somente dos indivíduos.

Em termos gramscianos, o que a burguesia deseja construir através da defesa e construção desses valores é um Estado Corporativista de Função Social. Neste modelo de Estado, as antigas esquerdas e direitas do atual espectro político parlamentar formariam um único bloco coeso, limitando enormemente qualquer tipo de liberdade democrática e organização autônoma dos trabalhadores.

Assim ver-se-á, a partir da nova composição das forças políticas, que aquilo que um dia foi chamado de ‘esquerda’ tornou-se uma tendência política parlamentar de responsabilização e criminalização dos movimentos sociais e populares dos trabalhadores a favor do grande capital. Quer dizer, a antiga esquerda seria a responsável por transferir à classe trabalhadora e à juventude a culpa e a responsabilidade pelas crises criadas pelos capitalistas. Em consonância a esse comportamento, as antigas direitas passam a promover apelo ao social. Temos dessa forma a construção de um bloco coeso em torno e em função do capital — uma esquerda responsável pela culpabilização e responsabilização e uma direita pelo social.

Não à toa, que na votação da Proposta de Emenda Constitucional 23/2021, chamada PEC dos Precatórios, os partidos de direita defederam a aprovação da PEC utilizando como desculpa a criação do Auxílio Brasil aos vulneráveis. Esse movimento da direita ao social esvazia as antigas pautas da esquerda parlamentar, obrigando-a a escolher uma entre duas vias possíveis:

  1. Pavimentar a via revolucionária ao abandonar a via parlamentar ou
  2. Abandonar as antigas pautas de apelo social em busca de um lugar ao sol no novo arranjo das forças políticas. É neste segundo ponto que se localiza atualmente a majoritária do Partido dos Trabalhadores.

PT sempre foi conhecido, após a realização de vários expurgos internos, pelo forte apelo ao social. Agora o PT se encontra totalmente esvaziado pelas novas direitas que sequestraram suas bandeiras. O que resta ao PT é tão somente aceitar uma aliança com certos setores da política parlamentar, aparentemente, de oposição. Hoje os partidos não são mais conhecidos pelo conteúdo que trazem, mas pela forma que militam. Ou seja, quem faz mais barulho tende a arrebatar mais pessoas para dentro das organizações.

Observação — não mais militantes, como um dia foram, mas apenas pessoas na condição de filiados. Já não se trata de política, mas de ações estratégicas de marketing.

Ilusoriamente falando, se o Partido dos Trabalhadores desse um forte giro revolucionário em suas fileiras de luta, os trabalhadores poderiam alcançar uma nova qualidade de luta. Entretanto, essa não é e nem será a realidade. A direção do PT, junto às lideranças sindicais, movimentos sociais e estudantis, está obrigando a base do partido a engolir a seco a aliança com a direita tradicional recondicionada, neste momento materializada na figura de Geraldo Alckmin.

Num primeiro momento, isso impõe uma profunda derrota à classe trabalhadora. Uma vez confirmada tal aliança, o capitalismo sairá fortalecido em busca da consolidação de um novo pacto social capaz de lhe dar alguma sobrevida. Não sem razão, o jornal Folha de São Paulo, em matéria publicado no dia 20.12.21 — Chapa Lula-Alckmin seria uma revolução republicana –, enfatizou que a aliança: Do ponto de vista global, […] marcaria a vitória definitiva da esquerda de coalizão sobre a esquerda de ruptura.

Esse tipo de aliança não é uma exclusividade do Brasil e dos brasileiros. Outros exemplos já foram testados, a saber:

  • Os “socialistas ibéricos” adotaram esse caminho a partir de 2015, com português António Costa e, mais tarde, o espanhol Pedro Sanchez rompendo com a lógica hegemônica de seus respectivos partidos e buscando alianças para formar um programa pró-europeu que apostava na modernização do Estado e na defesa de valores humanistas.
  • Processo semelhante aconteceu na Alemanha. O SPD do agora chanceler Olaf Scholz passou grande parte da última década disputando o eleitorado de esquerda com o Die Linke, terceira maior força política do país depois da eleição de 2013, mas na última eleição se reconstruiu em alianças com antigos setores de oposição;
  • Na América Latina temos os exemplos: da Argentina com Alberto Fernández; do Peru com Pedro Castillo; da Bolívia com Luis Arce; e agora no Chile com a vitória de Gabriel Boric. Nenhum destes significa uma ruptura com o modo de produção capitalista, senão coalizão com setores aparentemente oposicionistas dentro do novo arranjo político em busca de novos consensos.

Costumeiramente, no tempo que tange, essas alianças se forjam pela publicização e disseminação do perigo “fascista” (termo tomado in abstract e aplicado sobre diversos contextos). Assim é possível colocar Trump como o novo Hitler estadunidense e Bolsonaro como o Hitler dos trópicos. As novas alianças formadas, além de estarem a serviço da construção de um novo arranjo político e reconfiguração das forças políticas do capital, servem como verdadeiros instrumentos bonapartistas em seus respectivos países de atuação. Formas bonapartistas são tipos de governos organizados ‘por cima’ da luta de classes em nome das frações hegemônicas financeiras. Essas formas conseguem mesclar, em seu interior, elementos democráticos parlamentares com elementos fascistas.

Ainda na reportagem acima citada há a seguinte colocação — Ao abrir a negociação com Alckmin e buscar a aliança com o PSB, Lula aposta no modelo da esquerda de coalizão que derrotou a direita e a extrema-direita. A decisão é traumática porque ela obriga o PT a abdicar do seu destino hegemônico, mas [a experiência europeia dita que o processo de federação com o PSB e o PCdoB é tão importante como o acordo individual com Alckmin] (grifo meu).

Quem além do grande petucano Haddad estaria coordenando a mudança de orientação política do PT? Haddad é um dos principais impulsionadores da aliança Lula-Alckmin ao lado de Márcio França (PSB-SP). A aliança LulAlckmin, como vem sendo divulgada, colocaria Fernando Haddad e Márcio França como os francos favoritos à vitória ao cargo de governador do Estado de São Paulo. Dessa forma, tendo à frente da presidência da República a chapa LulAlckmin e à frente do Estado de São Paulo Fernando Haddad ou Márcio França ou uma chapa Haddad-França será muito mais fácil buscar o consenso social almejado pela burguesia em decadência.

Fernando Haddad pertence à tendência do PT alcunhada por alguns de bom de canudo (diploma) e ruins de voto (sem apoio popular). A consolidação da aliança LulAlckmin imporá forte derrota às forças do campo popular do PT, que sairão extremamente enfraquecidas e com prejuízos irreparáveis a curto prazo. O que, por sua vez, poderá abrir uma janela inédita dentro do partido nesta década para a formação de frações no PT. As frações poderão fertilizar a via revolucionária de atuação dos trabalhadores. Em suma, os bons de canudos ao alcançarem a hegemonia dentro do partido imporá forte derrota ao campo popular, que, por sua vez, poderá incorrer em fortes rupturas internas.

A atual busca da formação de uma esquerda de coalizão em prejuízo da esquerda de ruptura, como classifica o jornal Folha de SP, expressa a busca por uma saída institucional à crise iniciada em 2013, aprofundada com o golpe de 2016 e selada com as eleições de 2018. Lula, mais à direita do que em 2002, pode ser utilizado pela burguesia como elemento para fechar a crise institucional ou pelo menos servir como agente de contenção aos levantes populares.

O possível consentimento de Lula para a formação da aliança com Alckmin, ou até mesmo outro do mesmo campo político de atuação, é a prova cabal de que Lula sempre atuou ao lado dos golpistas. Ajudando, no tempo pretérito como no presente, a burguesia a enterrar o histórico golpista.

Lembremos sempre do seguinte: o que acontece hoje no Brasil faz parte de um movimento de transformação política a nível mundial. A crise de governabilidade, assim chamada pelos meios midiáticos burgueses, é reflexo da profunda crise de um modo de produção que encontra sérios problemas para se autovalorizar.

À vista disso, os capitalistas querem esvaziar por completo aquilo que ainda existe de luta nos organismos da classe trabalhadora e acabar com os velhos dualismos aparentes para conformar um grande pacto em torno daquilo que Giddens chamou de Democracia Cosmopolita.

Democracia Cosmopolita faz parte da construção de uma nação cosmopolita, não mais cindida pela afirmação das regionalidades, tribalidades ou divergências políticas, mas unificadas por meio de mecanismos ‘colaborativos’ de ação, isto é, em bases de responsabilidade ativa.

“Vale destacar: todo cosmopolitismo encontra sua pátria na potência hegemônica”.

Não há meio mais eficaz para despertar o sentimento cosmopolita entre pessoas de diferentes nações do que a defesa de pautas transnacionais. Questões climáticas, ambientais, de segurança humana entre outras são algumas delas. A elas podemos também incluir as pautas da chamada agenda das identidades. Essa agenda defende a promoção das identidades desvinculadas de qualquer conteúdo de classe. Essas questões de conjunto eliminam aparentemente as contradições, colocando pessoas de distintas realidades para lutarem juntas na defesa dessas pautas e agendas.

Temos experiência suficiente para perceber que o desejo do capitalismo não consiste na resolução das questões por ele publicizadas, senão utilizá-las para manufaturar a opinião dos trabalhadores. É por meio das pautas transnacionais que o cosmopolitismo é promovido e, portanto, a ideia de nação cosmopolita.

No entanto, enquanto a mídia e as antigas esquerdas divulgam a necessidade da construção de uma nação cosmopolita, as riquezas dos países dependentes continuam a ser saqueadas pelas potências imperialistas. Assim, percebe-se que a ideia por trás da radicalização da democracia e da defesa das pautas “humanas” não tem outro objetivo a não ser saquear nossas riquezas materiais e salvar as taxas de lucro dos capitalistas.

Entramos assim num círculo vicioso. Quanto maior o saque, maior a pobreza. Quão maior a pobreza, mais forte a intervenção das agendas transnacionais. É dessa forma que a questão da fome torna-se um poderoso instrumento nas mãos da burguesia. Ao apresentar essa questão não como consequência das políticas econômicas adotadas, mas como infortúnio, é possível jogar a responsabilidade e a culpa nas costas do trabalhador.

Nos últimos meses, tem ressurgido o debate em torno da possibilidade da construção de um regime semipresidencialista no Brasil. Em outra reportagem do Jornal Folha de São Paulo — Parlamentarismo e Abolição -, Marcus André Melo diz — O semipresidencialismo, por exemplo, irrompeu na agenda política chilena e brasileira atual porque os atores envolvidos esperam que possa coibir abusos do Executivo e reduzir a instabilidade. […] No Brasil, a experiência do impeachment de Dilma e a experiência traumática com Bolsonaro catapultaram o semipresidencialismo para a agenda.

Bolsonaro, em especial, está sendo utilizado para acelerar as mudanças. Reinaldo Azevedo, ao Jornal Folha de São Paulo, aponta para essa direção:

“Que as forças comprometidas com o pacto civilizatório façam o possível para que as hostes da destruição não sejam nem mesmo uma das opções em 2022. O governo Bolsonaro não pode ser visto como um simples surto de incompetência a ser superado. Estamos diante da evidência de que a democracia não precisa de um golpe para morrer. Ela pode ser solapada pela irracionalidade tomada como um método”.

O que Reinaldo e inúmeros outros jornalistas comprometidos com o poder das finanças transnacionais fazem é blindar os reais responsáveis pela crise social e aumentar a dependência do Brasil em relação às potências imperialistas.

A construção da via semipresidencialista intenta assentar o Bonapartismo em bases sólidas. Quer dizer, eliminar o pouco que ainda existe de participação popular na política parlamentar burguesa no Brasil. O divulgado cosmopolitismo é válido somente para fortalecer o livre trânsito de capitais. O rearranjo político de aparência cosmopolita é essencialmente autocrático. Toda a arquitetura política aqui exposta é orquestrada pelo parlamentarismo negro.

parlamentarismo negro, conceito gramsciano, é aquele que se organiza nas sombras, o qual nunca é citado pela grande mídia. É um consórcio formado pelos grandes conglomerados financeiros e bancários, pelos cartéis de drogas, armas e prostituição, pelos grandes complexos industriais-militares, pelas grandes indústrias farmacêuticas e de tecnologias, pelo crime organizado e pelas grandes corporações religiosas.

É no parlamento negro que as práticas democráticas do parlamento explícito se conjugam aos elementos fascistas e paraestatais. As questões de caráter cosmopolitas, acima colocadas, ao serem gerenciadas pelo parlamentarismo negro tem por função ampliar dois outros conceitos que se constituem em dois fortes braços do parlamentarismo negro: o conceito de polícia e ato legislativo.

Nessa lógica, o conceito de polícia passa a não estar mais associado à organização oficial, reconhecida e autorizada legalmente para a função de segurança pública, como é comumente entendido. Passa a ser, na verdade, uma organização muito maior, em que, direta ou indiretamente, participa grande parte da população de um estado (Gramsci. C.2 §150)Por seu turno, o ato legislativo torna-se — […] em maior ou menor grau, parte de uma ação coletiva, um “conjunto de crenças, de sentimentos, de interesses e raciocínios disseminados em uma comunidade em um determinado período histórico (Gramsci, C.14 §9)”.

Portanto, o ato legislativo passa a ser realizado não somente por pessoas regulamentadas e autorizadas pela lei, mas por todos aqueles, em sentido amplo, que se comprometem a resolver algum problema social em questão — As pessoas ao executarem medidas corretivas aos problemas colocados, acaba por controlar também os outros obrigando-os a executar aquilo que parece ser o novo acordo social em voga. A execução e a vigilância tornam os regulamentos obrigatórios a todos.

A ampliação do conceito de polícia e do ato legislativo não tem outra função senão conformar um novo consenso social e consolidar o modelo de “Estado Corporativista de Função Social”. É no interior desta análise que devemos entender a aliança LulAlckmin.

Os cargos de comando do Estado Corporativista de Função Social estarão sob o controle do parlamentarismo negro, formado pela fração hegemônica da burguesia. Como esta fração não está suspensa no ar, ela é obrigada a reconhecer outras frações da burguesia.

Novas demandas sociais são criadas a fim de serem defendidas pelas novas forças policiais e legislativas em ação. Um exemplo concreto dessa nova configuração em nossa época encontra-se no que foi a diplomacia das vacinas. A aplicação das vacinas nunca teve como fim a erradicação do vírus Sars-Cov-2, ao contrário, o seu prolongamento é a vitamina econômica e política das grandes corporações financeiras e bancárias, assim como de todo complexo industrial-militar do Ocidente.

Na pandemia da Covid-19, o papel da mídia corporativa assumiu o papel de formar milícias de patrulhamento em torno da obrigatoriedade da vacinação em massa. Diariamente, ela se dispôs a manufaturar mentes e corações segundo os propósitos dos grandes financistas. O objetivo não foi outro a não ser induzir à vacinação compulsória e transformar os vacinados em novos destacamentos policialescos nos ambientes privados e públicos. Aos vacinados os favores, aos não vacinados a lei.

A mídia corporativa fez dos vacinados caçadores de “antivax” e “negacionistas”. Desde 2014 esse comportamento vem ganhando corpo e forma. Lá a questão achava-se em torno da escassez hídrica, tornando os moradores das grandes capitais em fiscais da água. Agora em torno das vacinas. O que muda entre a primeira e a segunda é o nível de alcance. Enquanto a primeira limita-se ao regional, a segunda abrange o mundo.

A única forma de defender o indefensável é aumentando o fator de complicação, abortando, gradativamente, qualquer explicação plausível e, assim, a possibilidade de qualquer debate político democrático. Já que o fator complicação em relação a Covid-19 foi enormemente aumentado, só os ilustrados são capazes de responder à altura. Uma vez assim arquitetado o problema, suspende-se a razão crítica. Nada melhor que a propagação do medo para inibir a atividade política crítica.

A atual recomposição das forças políticas nasce por imposição do desenvolvimento das forças produtivas do trabalho. A integração dos setores sociais antigamente separados coloca a necessidade de um novo pacto social, de forma a superar as barreiras regionais. Por isso a defesa da cidadania e da nação cosmopolita, dirigida e controlada pelos grandes oligopólios das finanças, os quais determinam as pautas a serem defendidas e os quadros policialescos em atividade, passa a ser a máxima burguesa.

As pautas burguesas são disseminadas como pautas de interesse público. Por isso, é extremamente importante as parcerias PPPs (parceria-público-privadas). Assim, todos os organismos são transformados em aparato policial atuante do parlamentarismo negro. Isso é possível pela capacidade que o poder financeiro tem de dirigir, inspirar e corromper os setores mais altos da burocracia, da polícia, da casta de oficiais militares, da imprensa e as direções dos organismos da classe trabalhadora — Trotsky: Bonapartismo e Fascismo.

Tudo isso para a classe trabalhadora representa um forte retrocesso, mas não seu fim. Quanto mais débil é o leão, mais agressivo se torna. Conforme o capital integra distintos setores sociais de um mesmo país e os deste aos demais setores de outros países, a classe trabalhadora é impulsionada a reavivar sua bandeira internacionalista de luta em defesa da destruição, total e completa, do capitalismo como modo de produção dominante. Ao mesmo tempo em que a classe dominante promove o rearranjo social, para atender às atuais necessidades produtivas, ela fortalece ainda mais os seus reais coveiros que, mais cedo ou mais tarde, enterrá-la-ão.

As novas alianças políticas só indicam a necessidade de a classe trabalhadora reorganizar-se com novos métodos. Conservando, no entanto, a mesma estratégia de classe: a construção do partido revolucionário e a derrubada do modo de produção capitalista. Aliás, essas alianças demonstram que os que se apresentaram como heróis da classe trabalhadora estão totalmente comprometidos com o sistema capitalista em decomposição. A cada nova grande crise esses heróis são destroçados pelo motor da história — a luta de classe.

Trabalhadores e juventude, assim sendo, nada mais resta do que a recomposição de nossas forças pela base. Enquanto o capitalismo impõe mudanças de cima para baixo, temos que realizar um movimento contrário para reorganizarmos nossas forças a fim de atuarmos no próximo período político de luta.

Por isso é urgentemente preciso que os trabalhadores percam as antigas ilusões e acreditem, única e exclusivamente, na capacidade de mobilização, sem a necessidade de dirigismos e personalismos.

ARRIBA, HOJE E SEMPRE, TODOS OS QUE LUTAM!

Referências Bibliográficas

Giddens, Anthony. A Terceira via e seus críticos. Rio de Janeiro: Record, 2001.

MASO, JUAN DAL. Gramsci: do Estado integral ao “parlamentarismo negro”; In: Ideas de Izquierda — Revista de politica e Cultura. número 41, novembro de 2017 — https://www.laizquierdadiario.com/ideasdeizquierda/gramsci-del-estado-integral-al-parlamentarismo-negro/

Visacro, Alessandro: A GUERRA NA ERA DA INFORMAÇÃO. São Paulo: Contexto, 2018.

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