Panorama das greves no Brasil: a necessidade de ampliar a resistência das classes trabalhadoras

Panorama das greves no Brasil: a necessidade de ampliar a resistência das classes trabalhadoras

Não tem sido e não será um caminho fácil, nem curto. Mas não há outro caminho para barrar a sanha dos vampiros que sugam nossas vidas. Já tivemos vitórias no passado e voltaremos a tê-las no futuro.

PUBLICAÇÃO ORIGINAL: Cem Flores 10.09.2022

A greve nos locais de trabalho é uma das principais formas de resistência dos/as trabalhadores/as contra a exploração e a opressão capitalistas. O ato de paralisar coletivamente o processo de trabalho (a acumulação de capital e os lucros) por reivindicações e em protesto contra os patrões está presente em toda a história da luta entre o proletariado e a burguesia. Na greve, os/as trabalhadores/as usam sua união e seu poder enquanto força de trabalho para pressionar o patronato por melhores salários e condições de trabalho, ou contra demissões e outros ataques patronais.

Essa forma de luta sempre foi fundamental para a classe operária e as demais classes trabalhadoras, seja para manter ou alcançar novas conquistas econômicas, como também no preparo político e no avanço ideológico dessas classes. Um grande líder do proletariado, Engels, dizia que os/as operários/as organizados nas associações, sindicatos e greves “começam a sentir-se, em sua totalidade, como uma classe; descobrem que, fracos individualmente, unidos constituem uma força”.

Apesar dos limites da luta sindical no capitalismo, que, por si só, não rompe com a escravidão assalariada, Engels a considerava uma “escola de guerra” dos/as trabalhadores/as na luta de classes. Nas greves, eles e elas enfrentam um membro da burguesia, testam sua força, sua coragem e abnegação – e só quem luta e suporta privações para dobrar um burguês “tem condições de abater o poderio de toda a burguesia”.

Lênin, outro grande líder histórico do proletariado, defendia posição semelhante. Mesmo com seus limites, as greves são importantes formas de resistência e preparo político das massas para ações mais elevadas na luta de classes. Em 1899, ele dizia:

As greves, por emanarem da própria natureza da sociedade capitalista, significam o começo da luta da classe operária contra esta estrutura da sociedade. […] Quando os operários levantam juntos suas reivindicações e se negam a submeter-se a quem tem a bolsa de ouro, deixam então de ser escravos, convertem-se em homens e começam a exigir que seu trabalho não sirva somente para enriquecer a um punhado de parasitas, mas que permita aos trabalhadores viver como pessoas. […] As greves ensinam os operários a unirem-se, as greves fazem-nos ver que somente unidos podem aguentar a luta contra os capitalistas, as greves ensinam os operários a pensarem na luta de toda a classe operária contra toda a classe patronal e contra o governo autocrático e policial. Exatamente por isso, os socialistas chamam as greves de “escola de guerra”, escola em que os operários aprendem a desfechar a guerra contra seus inimigos, pela emancipação de todo o povo e de todos os trabalhadores do jugo dos funcionários e do jugo do capital.”

Em 1917, Lênin afirmava também que “a estatística das greves” era a base de estudo para se compreender o desenvolvimento político da Revolução Russa de 1905. Revolução na qual uma “greve política de massas desempenhou um papel extremamente importante”.

Em nosso site, buscamos destacar, nos últimos anos, greves relevantes da conjuntura, sobretudo nacional. O estímulo, o acompanhamento, a análise e o apoio às greves desencadeadas pelas classes trabalhadoras, juntamente com outros protestos, lutas e revoltas, são tarefas fundamentais para o avanço da luta de classes operária hoje. Reforçar a resistência já existente é o único caminho para reverter a recente piora em nossas condições de vida, imposta pela ofensiva burguesa na luta de classes, e construir a “emancipação de todo o povo e de todos os trabalhadores do jugo dos funcionários e do jugo do capital”, como dizia Lênin.

Afinal, seremos nós, com nossas mãos, a nos salvar. Ou, de acordo com o lema da primeira Associação Internacional dos Trabalhadores: “A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”, a partir de suas organizações, lutas diárias, greves e protestos.

Com esta publicação atualizamos nossa análise da luta grevista no Brasil desde o início da pandemia, utilizando dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) de 2020 e 2021 (ainda não há dados parciais para 2022). Como os/as próprios/as trabalhadores/as já o sabem, trata-se de um difícil contexto de lutas, no qual os patrões estão na ofensiva e as classes trabalhadoras, na defensiva. Mesmo assim, há lutas exemplares ocorrendo, cujas lições são imprescindíveis para superar esse momento. Da mesma forma, é muito importante entendermos mais a fundo as razões e as características dessa defensiva, a partir de uma análise marxista, e apontarmos a partir daí as perspectivas de luta que se anunciam, ou já se concretizam.

  1. Fatores determinantes para o quadro atual de greves

De acordo com o balanço de greves do DIEESE, os anos de 2020 e 2021 representam o menor patamar grevista desde 2012. Marcam assim o fim de um forte ciclo de greves na história recente do país, cujo auge ocorreu de 2013 a 2016. Além do número reduzido de greves, esses dois anos também se caracterizam pelo forte caráter defensivo dos movimentos paredistas.

Juntamente com as manifestações de massa em todo o país, em 2013 ocorreu uma explosão de greves, a maior desde o final dos anos 1980, que se manteve até 2016. A partir de 2017, as greves caíram, até retornar em 2020 e 2021 a patamar semelhante ao início dos anos 2010. Fonte: DIEESE.

Os principais fatores que explicam esse recuo recente das greves são: pandemia, elevado desemprego, violenta ofensiva patronal e forte presença do peleguismo nas direções do movimento sindical.

Pandemia

Em todo o mundo, o início da pandemia em 2020 reduziu os protestos de massa. O índice de “inquietação social” calculado pelo FMI, após atingir um pico em 2019, com fortes protestos na América Latina e outros países, caiu para o menor nível dos últimos anos logo no início de 2020. O risco da contaminação, a alta letalidade e as restrições sanitárias impostas por vários países são razões que explicam essa redução. Depois, o índice teve uma recuperação, inclusive pelas contradições acentuadas pela nova crise global. Ainda em 2020 ocorreram os grandes protestos antirracistas e a revolta popular nos EUA e em outros países. Mas ainda hoje o índice não retornou ao patamar de pré-pandemia.

A pandemia também impactou os mercados de trabalho globalmente, paralisando atividades econômicas e categorias inteiras. As reduções de jornadas, o aumento do desemprego e do desalento e a transferência de atividades para a modalidade remota esvaziaram vários setores e locais de trabalho, sobretudo no pico das quarentenas. Junto à redução dos protestos, esse fator dificultou bastante a atividade sindical e o desenvolvimento das mobilizações grevistas.

Ao mesmo tempo, e contraditoriamente à tendência anterior, a pandemia também desencadeou conflitos nos locais de trabalho, sobretudo em categorias de cadeias produtivas e serviços essenciais. As “greves sanitárias”, por equipamentos de proteção individual, medidas protetivas à contaminação, por direito ao isolamento etc. estouraram em várias partes do mundo (Itália, EUA etc.) e também no Brasil (comerciários, telemarketing, enfermeiros, entregadores etc.). Mesmo assim, essas lutas não reverteram o quadro geral de baixa de greves.

Desemprego elevado

Os mais recentes dados sobre mercado de trabalho nacional demonstram uma melhora maior que a esperada. As taxas de desemprego se encontravam em 9,1% (restrita) e 20,0% (ampliada) em julho. Em números absolutos, 9 e 24 milhões de trabalhadores/as, respectivamente. Uma redução significativa de 6 e 9 milhões de pessoas, para cada taxa, frente ao último pico do desemprego entre 2020 e 2021. Uma das razões para esse alívio tem sido o impacto econômico do pacote eleitoreiro do governo, com gastos de mais de R$ 300 bilhões para este ano, além de certa retomada da economia no pós-pandemia. A renda também sofreu uma ligeira “despiora”, apesar da carestia continuar, dos salários estarem abaixo do patamar pré-pandemia e da informalidade bater recordes.

Em 2020 e 2021, o desemprego estava em patamares históricos. O forte impacto da recessão associada à pandemia chegou a um mercado já deteriorado da crise de 2014-2016. Em 2019, o nível de ocupação (proporção de pessoas ocupadas dentro da população em idade de trabalhar) ainda não tinha se recuperado do impacto da crise de 2014-2016. Foi nesse patamar mais rebaixado que a recessão de 2020 aconteceu, derrubando o nível fortemente. A média anual de 2020 ficou um pouco acima de 51%, sendo que no auge do fechamento da economia ficou abaixo de 50%, ou seja, menos da metade da população em idade para trabalhar estava ocupada! Em 2021, a média anual continuou baixa, mas as ocupações já estavam em curso de recuperação. O nível de ocupação retornaria ao patamar de 2019 em meados de 2022.

Fonte: IBGE. *A média de 2022 se refere apenas ao primeiro semestre.

O alto desemprego tende a inibir as greves pois diminui o preço da força de trabalho e aumenta a concorrência entre trabalhadores/as, reduzindo seu poder de barganha e dificultando sua unidade e sua solidariedade frente ao patrão – caso não haja organização e força de classe para reverter tal tendência. Um mercado de trabalho em condições rebaixadas gera um cenário mais difícil para manutenção de salários e luta por conquistas para todas as categorias.

Diante disso, é fundamental voltar os olhos também para as associações de ajuda mútua, que nesse período cresceram, a despeito da menor atividade sindical e por conta da elevação do desemprego, da informalidade e da miséria. A organização e a luta nos bairros foram também elementos importantes nesse período e pode significar um caminho de reforço da solidariedade de classe e da resistência como um todo.

Ofensiva patronal

Somando-se à pandemia e ao elevado desemprego, e desencadeada pela crise, os últimos anos também foram marcados por uma forte ofensiva patronal, que aumentou a repressão às mobilizações e ampliou as táticas de desarticulação dos/as trabalhadores/as. Estando largamente dominado por posições reformistas e de conciliação de classes e, por consequência, cada vez mais afastado das bases operárias e de trabalhadores/as, o movimento sindical no Brasil não foi capaz de se contrapor à ofensiva patronal e de seu estado.

Em 2020, já estava consolidada a reforma trabalhista e sindical de 2017 que, dentre vários efeitos, fez secar os recursos do movimento sindical. Com a reforma, a legislação e a “justiça” do trabalho também se tornaram ainda mais pró-patronais, inibindo as ações sindicais. Diante de um movimento sindical totalmente atrelado e dependente da estrutura do estado, as data-bases se tornaram mais arriscadas para os trabalhadores/as e mais simples para os patrões.

O governo e o movimento fascista, de extrema-direita, de Bolsonaro também impuseram, política e ideologicamente, um novo grau de ofensiva patronal, anti-trabalhador/a. Bolsonaro e seus aliados foram (e são) uma tropa de choque contra qualquer protesto trabalhista, demonstrando e se orgulhando sempre de sua intransigência e firmeza na repressão. E, novamente, sem força independente para reagir a isso, o resultado foi um recuo generalizado do movimento sindical, recuo piorado pela postura de grande parte desse movimento em apostar na candidatura de Lula e Alckimin como a luz no fim do túnel (sobretudo para seus bolsos) e tentar arrastar os/as trabalhadores/as para essa ilusão.

Peleguismo hegemônico

O peleguismo reinante nas entidades sindicais, que se colocam sempre que possível ao lado dos patrões e dos governos, buscando “conciliações” com a classe antagônica e se atrelando ao estado, desarmou o proletariado e demais classes trabalhadoras para enfrentar um novo patamar da luta, em contexto de crise e ofensiva aberta do inimigo. O resultado foi a queda da própria resistência sindical, comprovando assim o verdadeiro papel do pelego: desmontar a força autônoma dos/as trabalhadores/as, prender a massa em ilusões com o inimigo.

Nos governos do PT, apesar da multiplicação das entidades e centrais sindicais (ansiosas por repartir o butim das bilionárias verbas sindicais), o movimento sindical foi perdendo cada vez mais força. Isso porque os sindicatos se tornaram esvaziados e desacreditados enquanto instrumentos de luta. Mergulhados nos conchavos com o patronato, sendo correia de transmissão de um governo burguês, os sindicatos chegaram a ser, em vários momentos, o braço direito da repressão à luta espontânea que surgia na base, basta ver as greves operárias nas obras do PAC. Com a chegada da crise e a piora do mercado de trabalho, a tendência ao esvaziamento dos sindicatos se acentuou, ao mesmo tempo em que estes perdiam seu financiamento e influência, com a saída do PT da gestão do capital. No último período, a taxa de sindicalização caiu inclusive em categorias tradicionais, como na indústria e na administração pública.

No gráfico abaixo, vemos uma queda significativa da densidade sindical a partir de 2006 no Brasil. Em 2019, antes mesmo da pandemia, o percentual de população ocupada sindicalizada chegou a 12,7%, menor patamar em décadas.

Gráfico retirado do blog do IBRE. Fonte dos dados: OCDE/AIAS/ICTWSS.

Essa desindicalização não ocorreu com o surgimento concomitante de novas organizações autônomas de trabalhadores/as e de forças políticas que consigam hoje virar a página do peleguismo hegemônico no movimento sindical brasileiro. Essas alternativas de luta apenas surgiram em algumas categorias e setores, ou em determinados momentos da luta, como veremos exemplos à frente. Encontram-se ainda minoritárias, situação semelhante à fragilidade do campo revolucionário enquanto alternativa para a massa explorada como um todo.

  1. As greves em 2020 e 2021 no Brasil: o cenário de defensiva e as lutas que devem nos servir de exemplo

De um modo geral, a pandemia, o elevado desemprego e a violenta ofensiva patronal, juntamente com a presença dominante do peleguismo no movimento e a fraqueza do campo revolucionário – fatores que dificultaram a reação de trabalhadores/as às condições adversas anteriores – levaram ao quadro atual de baixa de greves. Para um panorama mais aprofundado, precisamos observar como esses fatores se manifestaram concretamente em cada ano analisado e quais tendências e lições podemos tirar visando à superação desse quadro.

As greves em 2020

Como vimos acima, o ano de 2020 marcou um forte recuo nas greves, reforçando a tendência de queda presente desde 2017 no Brasil. De 1.118 greves, em 2019, para 649, em 2020, houve uma queda de cerca de 40%. Frente ao último pico, de 2016, uma queda de 70%. Por isso, 2020 pode ser considerado o “fundo do poço” da atividade grevista no país dos últimos anos.

Ao observarmos as greves mês a mês, fica claro o efeito da pandemia na redução da atividade grevista. Os meses com menos greves são abril e maio, logo no início da pandemia, inaugurando, segundo o DIEESE, “um período totalmente adverso para a ação sindical”. Nos meses seguintes, não houve recuperação do patamar de greves anterior à pandemia. A situação sanitária interrompeu, naquele ano, até mesmo mobilizações em curso, como a do setor educacional, então em luta pela aplicação do reajuste no piso do magistério.

Ao mesmo tempo, a pandemia também desencadeou algumas mobilizações, como a dos trabalhadores de transporte coletivo urbano, “a grande categoria grevista (quase a única, na verdade)”, segundo o DIEESE. O setor de transporte coletivo sofreu forte impacto da pandemia e do isolamento social e muitas categorias sofreram demissões e atrasos de salários, forçando a resistência sindical.

A maioria das greves de 2020 ocorreu no setor privado (64%), em pequenas empresas, de até 200 trabalhadores/as (65%) e na esfera local, dentro de uma unidade/empresa (70%). Dentro do setor privado, quase 80% ocorreram no setor de serviços.

Ao todo, as 649 greves representaram 19 mil horas paradas de trabalho, menor número desde 2003. Isso indica não só um quantitativo pequeno de greves, mas também o perfil breve das mesmas – que mostram um caráter mais recuado e frágil do movimento, e menos força e capacidade de rápido impacto. Quase 60% dessas greves duraram apenas um dia, ou seja, foram praticamente paralisações. Apenas 15% das greves daquele ano tiveram mais de 5 dias.

O DIEESE classifica as greves de acordo com seu caráter em três categorias: propositivas, defensivas e de protesto:

Greves que propõem novas conquistas ou ampliação das já asseguradas são consideradas de caráter propositivo. As greves denominadas defensivas são as que se caracterizam pela defesa de condições de trabalho vigentes; pelo respeito a condições mínimas de trabalho, saúde e segurança; ou contra o descumprimento de direitos estabelecidos em acordo, convenção coletiva ou legislação. Paralisações que visam ao atendimento de reivindicações que ultrapassam o âmbito das relações de trabalho são classificadas como greves de protesto.

Como podemos ver, normalmente as greves propositivas e de protestos demonstram um nível de maior ofensiva na luta dos/as trabalhadores/as. Nelas, a paralisação do trabalho se deve à busca por novas conquistas ou em defesa de reivindicações para além das pautas mais imediatas. Já as greves defensivas indicam mais o aspecto de resistência, uma busca pela manutenção de conquistas ameaçadas ou já atacadas pelo patronato.

Em 2020, o caráter defensivo foi amplamente predominante, com 89% das greves sendo classificadas como defensivas pelo DIEESE. Dentre essas greves defensivas, de resistência, a maioria ocorreu já com o descumprimento de algum “direito” pelos patrões, indicando ser um revide de um ataque já concretizado do inimigo. Com tal descumprimento, por exemplo, atraso de salários, os/as trabalhadores/as são forçados a parar. E essa paralisação na maioria das vezes foi curta.

Novamente, se compararmos ao pico do último ciclo de greves, percebe-se o tamanho do recuo também em relação ao caráter das greves. Enquanto, em 2020, as greves propositivas representaram apenas 21%, em 2013 elas representavam 64%.

A reivindicação mais constante nessas greves de 2020 foi pelo pagamento de salários, de férias e/ou de 13º atrasado. Lutas por reajustes e pisos salariais foram a segunda reivindicação mais constante, seguida de alimentação e condições de segurança e equipamentos de proteção (fortemente vinculada à pandemia).

Quanto aos resultados das greves, o DIEESE possui poucos dados (apenas de 32% das greves de 2020), o que dificulta uma análise de fato. Mas, através da amostra existente, menos de 30% tiveram reivindicações atendidas de forma integral. A maior parte das greves teve sucesso parcial (quase 50%). Prosseguimento das negociações representou o resultado de 23%.

Há outras formas de observamos os resultados das greves e da luta sindical, no entanto. Uma delas é observar o resultado dos reajustes alcançados nas data-bases do período. Segundo o balanço feito pelo DIEESE, 2020 teve um resultado de reajustes “mediano”: 38% dos reajustes foram acima da inflação, 34% dentro e 27% abaixo. Há que se destacar, todavia, que a inflação de 2020 foi baixa. Além disso, houve milhões de trabalhadores que tiveram seus contratos suspensos ou salários reduzidos no programa de “manutenção” do emprego, uma das várias reformas emergenciais do governo – não combatida e até estimulada pelas centrais pelegas. Isso em meio ao massacre cotidiano da pandemia

Ainda assim, diante de toda essa defensiva e recuo, exemplos importantes de lutas ocorreram em 2020, vários deles analisados pelo Cem Flores. Tivemos a maior greve da Petrobrás desde 1995, com 20 dias de paralisação contra o fechamento da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados do Paraná (Fafen). O breque dos apps foi a primeira paralisação com protesto nacional dos/as entregadores/as de aplicativo, reivindicando reajuste nos valores pagos pelas empresas, fornecimento de equipamentos de proteção etc. categoria dos Correios também fez uma luta de 35 dias, contra privatização e por suas conquistas. Os/as operários/as da Renault, no Paraná, também pararam em luta contra uma demissão em massa, fazendo a empresa recuar parcialmente após 22 dias de luta. Também tivemos as categorias de transporte coletivo, de comerciários e de call centers, que também resistiram bravamente em contexto tão adverso.

Tão adverso que geraram outras importantes resistências. Na onda dos protestos antirracistas dos EUA, manifestações de rua contra violência policial e contra o governo fascista ocorreram em várias cidades. Torcidas organizadas de futebol, movimento negro, moradores de periferia etc. se mobilizaram e buscaram resistirNas periferias, também tivemos uma explosão da solidariedade e ajuda mútua para passar coletivamente pelos momentos mais difíceis da pandemia. Organizações e lutas em intensa disputa por parte do reformismo e da burguesia, que buscam pacificar toda revolta vinda da massa.

Tais lutas nos colocaram na prática várias lições. A decisiva força dos/as trabalhadores/as quando se unem além do local de trabalho, como no caso das paralisações nacionais. A possibilidade e a necessidade de construir mobilizações além dos sindicatos e aparelhos dos pelegos, como no caso dos entregadores, dos protestos e das associações nos locais de moradia. O papel da “justiça” do trabalho e do estado, como visto na greve dos correios (multa diária de 100 mil, cancelamento de cinquenta cláusulas do Acordo Coletivo etc.). A possibilidade de reagir, mesmo diante os ataques mais brutais do inimigo!

As greves em 2021

Após o “fundo do poço” da atividade grevista em 2020, 2021 significou uma pequena reação. Foram 721 greves, um crescimento de 11% em comparação com o ano anterior. Um aumento muito pequeno para apontar um novo ciclo de greves e ainda em um patamar muito abaixo do último pico, mas uma reação positiva, certamente.

Em relação às horas paradas, houve um aumento ainda mais significativo. Em 2021, foram 32 mil horas paradas de trabalho com as greves, um aumento de quase 70% em relação ao ano anterior. Mas, também, ainda muito abaixo do pico do ciclo anterior.

A participação do setor privado permaneceu a mesma (64%). Assim como a das pequenas empresas (65%). Porém, as greves por categorias aumentaram, atingindo 33%. Dentro do setor privado, a esfera dos serviços continuou fortemente predominante (80%).

Como vimos, em 2021, o quantitativo de horas paradas se elevou de forma mais intensa do que o número de greves. A razão disso são greves mais prolongadas. 23% das greves passaram de 5 dias. Mas a maioria (56%) continuou sendo de apenas um dia, apenas uma paralisação.

Em 2021, o caráter defensivo das greves permaneceu amplamente predominante (88%). A maioria dessas greves defensivas também ocorreu já com o descumprimento de algum “direito” pelos patrões.

Sendo assim, a reivindicação mais constante continuou a ser pelo pagamento de salários, de férias e/ou de 13º atrasado. Mas essa reivindicação paulatinamente perdeu espaço pelas lutas por reajuste salarial, sobretudo no segundo semestre. Apesar de continuar o quadro defensivo, essa mudança indica uma postura menos reativa da luta. Já as greves reivindicando condições sanitárias foram recuando junto com a pandemia ao longo de 2021.

O aumento das greves e da luta por reajustes foi puxado pela carestia de vida que explodiu em 2021. Um dos fatores que certamente influenciaram o aumento geral das greves, juntamente com a “normalização” da pandemia e redução paulatina do imenso desemprego.

Quanto aos resultados das greves, o DIEESE continuou com poucos dados, o que dificulta uma análise de fato. Mas, através da amostra existente, apenas 25% tiveram reivindicações atendidas de forma integral. A maior parte das greves teve sucesso parcial (quase 50%). Prosseguimento das negociações representou o resultado de 27%.

Segundo o balanço feito pelo DIEESE2021 teve um resultado muito pior em relação aos reajustes: 47,7% dos reajustes ficaram abaixo da inflação, significando perda real nos salários de inúmeras categorias. Apenas 15,8% tiveram ganho real. Uma mudança muito significativa em relação ao ano de 2020.

Além da fraqueza do movimento sindical para enfrentar o atual contexto de crise, ofensiva e pandemia, as altas taxas de inflação dificultaram resultados mais positivos. A cada mês de 2021, a meta de reajuste para manter os salários se elevava, tornando mais difícil alcançar sucesso na luta. Se, em janeiro, o valor do reajuste necessário era de 5,2% (INPC), em setembro, ele já tinha dobrado para 10,4%.

Esse cenário ambíguo de 2021, de reação das greves e, ao mesmo tempo, de piora e perda no poder de compra, também ofereceu importantes exemplos de luta. A greve dos/as operários/as da GM em São Caetano do Sul, na luta por seus salários e suas conquistas, deixou clara a força da união dos/as trabalhadores/as e sua capacidade de resistência na atual conjuntura. Em um enfrentamento de quase 15 dias contra uma multinacional, o estado e um sindicato pelego, o operariado fez o ataque patronal recuar em vários pontos, apesar dos limites ainda a serem superados para conquistas maiores. A continuidade da mobilização e da luta dos/as entregadores/as de aplicativos também se destacou em 2021. Em várias cidades ocorreram greves de mais de um dia, com piquetes em centros de distribuição e outras ações autônomas dos/as trabalhadores/as, que se utilizaram das redes sociais como ferramentas de agitação e organização.

  1. As lutas de 2022 e a necessidade de reforçar as resistências nos locais de trabalho

O ano de 2022 continua com forte carestia de vida e salários defasados, pressionando os/as trabalhadores/as para a resistência. Apesar do mercado de trabalho mais precário, com maior informalidade, a recuperação das ocupações também é outro fator que pode impulsionar a luta grevista e reforçar a tendência de aumento das greves.

São vários os exemplos de lutas grevistas até o momento neste ano, inclusive alguns especialmente valiosos. Mobilizações no setor público ocorreram desde o início do ano, de servidores federais a municipais. Ocorreram greves, por exemplo, de professores/as em várias cidades do país. A greve dos/as garis do Rio de Janeiro foi uma potente luta por reajuste salarial que aconteceu no primeiro semestre, enfrentando a repressão da “justiça” com protestos de ruas. O levante de operários/as da CSN nos deixou um exemplo de garra e demonstrou a possibilidade da luta operária apesar de toda pelegagem e repressão. A recente demissão de 3,6 mil trabalhadores/as na Mercedes-Benz de São Bernardo levou a uma greve que ainda está em curso.

O cenário continua muito difícil e adverso. A ofensiva dos patrões permanece, inclusive com as forças fascistas de plantão. A hegemonia do peleguismo também, tendo as forças revolucionárias pouca inserção e influência real nas massas. Os desafios são enormes para virarmos o quadro defensivo atual e partirmos para a ofensiva, construirmos mais um ciclo de lutas.

Os dados da FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) sobre os resultados dos reajustes no primeiro semestre de 2022 comprovam a continuidade desse contexto difícil. A mediana dos reajustes se reaproximou do índice de inflação. Ou seja, o valor “central” dos reajustes está próximo da reposição das perdas, uma melhora frente ao ano de 2021. Porém, os pesquisadores apontam que, ao mesmo tempo, benefícios e conquistas têm diminuído nos acordos e convenções coletivos. Como diz um pesquisador da FIPE: “A presença dos adicionais diminuiu em 2022. Houve uma redução generalizada não no valor, mas na presença [desses benefícios] […] Como o poder de barganha dos trabalhadores não está forte, porque a inflação ainda é muito alta, não tem como pressionar. Para garantir a inflação, tem que abrir mão de alguma coisa”. Ou seja, está ocorrendo em várias categorias uma “troca” de benefícios e conquistas por reajuste nos salários – o que significa, na realidade, uma perda nas condições de vida da massa trabalhadora.

No gráfico abaixo, vemos a queda na proporção de vários benefícios, comparando as negociações salariais no Brasil dos primeiros semestres de 2021 e de 2022.

Fonte: FIPE.

Serão sob as contradições existentes na luta de classes e nos movimentos de resistência de hoje que surgirão as oportunidades de reconstruir a união e a força dos/as trabalhadores/as tão necessárias nesse momento. O papel das categorias, dos/as militantes sindicais comprometidos com a luta, e dos/as comunistas é permanecer e estimular a resistência; aprender com as lições desse quadro de baixa de greves e derrotas; identificar e fomentar os embriões de organizações e lutas que apontem para a superação do peleguismo. Junto à massa, construir uma posição mais justa na luta contra o patronato; forjar instrumentos que consigam realizar a única frente fundamental hoje: a frente dos/as explorados/as contra os exploradores.

Não tem sido e não será um caminho fácil, nem curto. Mas não há outro caminho para barrar a sanha dos vampiros que sugam nossas vidas. Já tivemos vitórias no passado e voltaremos a tê-las no futuro.

Avançar nas lutas contra as demissões, por melhores salários e condições de trabalho!

Entregadores de aplicativo (SP) demonstrando solidariedade à greve dos garis (RJ) em abril deste ano.

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