Racismo: reflexões de quem o sofre na própria pele

Racismo: reflexões de quem o sofre na própria pele

A dança é afro pra quem? O jazz e o samba são pra quais negros do mundo? A literatura anti-escravagista é destinada, realmente, para o mundo branco? De onde vem esses lugares? quais limites os definem?

Por Suelen Gomes Malaquias

Para além de determinante social de saúde, o racismo, em sua complexidade filosófica, técnica e histórico-conceitual, na prática, envolve as multidimensões do ser humano. Daí, a justificativa das implicações psicossociais que fazem adoecer os indivíduos que vivenciam.

Por outro lado, há de se considerar que o racismo deveria ser o oposto do limitar o indivíduo a uma crença religiosa, orientação sexual, ocupação/profissão ou nível sócio-econômico.

Independentemente da raça, o ser humano é único em sua essência e digno de expressar e ocupar cada dimensão das múltiplas que lhe são inerentes da maneira como acredita ser melhor.

Expressões culturais como música, dança, literatura não deveriam se limitar em direcionarem-se para um chamado público, ainda mais em países tão diversificados culturalmente como o Brasil.

A dança é afro pra quem? O jazz e o samba são pra quais negros do mundo? A literatura anti-escravagista é destinada, realmente, para o mundo branco? De onde vem esses lugares? quais limites os definem?

São muitos e múltiplos modos de ‘racismizar’ as relações com negros e negras, não são apenas nos modos expressamente explícitos.

São os olhares e modos de abordagem de vendedores as negras e negros quando entram em uma loja, são as dificuldades de acesso aos salões de beleza que sejam especializados em cabelos “afro”; e por que dizer “afro” se o cabelo liso não é chamado de “cabelo caucasiano”?)

Práticas racistas no ambiente de trabalho podem se desvelar pelas divergências de ideias ou posicionamentos. E, se no ambiente de trabalho é que parcela dos adultos e idosos estão a maior parte do dia, é de lá que advém situações.

Os ‘nãos’ são muitos e múltiplos para quem é negra/o no Brasil!.. Possivelmente em outros lugares do mundo também o seja. O ponto é que a ‘teoria da miscigenação brasileira’ encobre o suficiente para que atitudes racistas aos negros e negras sejam caracterizadas como naturais e próprias do inconsciente popular chegando ao extremo de serem consideradas como inexistentes. 

E, muitas vezes, a resistência é exatamente dizer ‘não’ em busca da liberdade, como o desabafo “Freedom is a possibility only if you’re able to say no!” do refrão entoado por um cantor que, curiosamente, é branco:

São os grandes ‘nãos’ e os grandes ‘sim’, mas são os pequenos “nãos” e sim pouco visíveis que compõem os modos de resistência e práticas anti-racistas. Onde o racismo está nas entrelinhas, são nas nuances que esses modos de resistência devem também se expressar.

Como Laura, uma profissional de saúde, habilmente fez ao se negar reproduzir a lógica da insana maldade racista (inacreditável, por que não!). Fez a vida sobrepor a hostilidade mórbida de quem atenderia e que “permitiu” ser atendido pela socorrista negra porque usaria luvas. 

Situação essa em que a resiliência e a nobreza são evocadas, e que fazem Laura não ser a única. Número expressivo de profissionais de enfermagem, por exemplo, refere situações de racismo como da socorrista Laura, por parte dos indivíduos que atenderam. Mas, observa-se que essa situação extrapola para uma conjuntura sistêmica de discriminação racial nos serviços de saúde. 

Um estudo publicado em 2020 que avaliou a experiência de racismo institucional no acompanhamento em saúde sexual e reprodutiva da população negra, mais especificamente no pré-natal, de uma cidade paulista de grande porte. 

O curioso é que a percepção de discriminação racial resultou em menos de 40% dos negros e negras, por meio de uma escala. No entanto, quando analisados os dados descritivos qualitativos, houve evidências de racismo nos serviços de saúde, mediante aos relatos dos participantes, os quais se remetiam às ações cotidianas.

Nesse estudo, o acesso a informaçãopela internet pareceu aumentar a percepção de discriminação. Por esse fato vislumbra-se componentes de uma cultura de combate a discriminação racial de negros e negras brasileiros. O espaço posto para difusão de informações configura promoção de debates e discussão, as quais necessitam ser mais aprofundadas e propositivas. 

Trazer para a cena outros tópicos que podem até ser contraditórios, como as evidências de integração social dos negros e negras por meio de movimentos religiosos diferentes dos de matriz africana, como o pentecostalismo. 

Obviamente mantendo os tópicos tradicionais como estruturação de políticas públicas sustentáveis e inserções cada vez mais cotidianas desse tema nos espaços sociais visando a emancipação equilibrada e realista dessa população que representa tanto e, em tantos sentidos, para o Brasil.

Referências

Leia mais em: https://veja.abril.com.br/coluna/matheus-leitao/o-crescimento-de-negros-nas-igrejas-evangelicas-entenda/

https://seesp.com.br/racismo-estrutural-tambem-se-manifesta-na-enfermagem/

https://portal.coren-sp.gov.br/noticias/coren-sp-e-anen-divulgam-resultados-de-levantamento-sobre-racismo-sofrido-na-enfermagem/

https://periodicos.ufsm.br/reufsm/article/view/31131/html

https://veja.abril.com.br/religiao/datafolha-mulheres-e-negros-compoem-maioria-de-evangelicos-e-catolicos/

https://veja.abril.com.br/coluna/matheus-leitao/o-crescimento-de-negros-nas-igrejas-evangelicas-entenda/

SANTOS, Marcelo Vinicius Domingos Rodrigues dos. Análise do racismo institucional em saúde sexual e reprodutiva em um município no interior de São Paulo. 2020. 127 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2020.

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