LUTA DE CLASSES, ENERGIA, TERRA, PÃO E POESIA: OS TRABALHADORES E AS DEMANDAS HISTÓRICAS

LUTA DE CLASSES, ENERGIA, TERRA, PÃO E POESIA: OS TRABALHADORES E AS DEMANDAS HISTÓRICAS

Até que não ocorra mudanças verdadeiramentes estruturais as demandas históricas continuaram até os dias atuais.

Texto original de : Marchesano Gazeta Revolucionaria

Vislumbrar um novo mundo, uma nova sociabilidade, um novo modo de produção e reprodução das condições de vida é PRECISO. Nos atuais tempos em que tudo se resume a crise não podemos nos furtar do problema. Os telejornais dizem que existe uma crise hídrica, energética, climática, econômica, social, sanitária e de valores. De certo modo, os telejornais dizem a verdade, contudo de modo errático. Fracionam o todo para que as pessoas não compreendam que nos encontramos diante do esgotamento do modo de produção capitalista que não pode mais vingar-se.

O modo de produção capitalista, que em tempos passados viveu seus anos dourados, parece estar se despedindo lentamente, dizendo com todas as letras que ‘não dá mais’. Esse “não dá mais” fica visível a cada dia quando olhamos para as particularidades da vida. O sistema imunológico do capital está extremamente baixo a tal ponto que sob qualquer suspeita de gripe os mantenedores da ordem logo anunciam uma pneumonia. Esse diagnóstico não é sensacionalismo barato, é a realidade de um modo de sociabilidade que se findou. Com vergonha de sua decadência, ele (o capitalismo) está partido sem ao menos dizer ‘Goodbye’.

As crianças que antes sonhavam, hoje têm pesadelos. Os jovens que antes amavam, hoje se odeiam. Os velhos que antes aconselhavam, são hoje desprezados. Será mesmo que estamos diante de uma crisezinha (leia-se, gripezinha) ou estamos diante de uma grande convulsão? Diante de tal cenário apresentam-se duas vias: Primeira, a superação total e completa desse modo de produção moribumdo por outro superior; Segundo, um forte retrocesso a condições ainda mais bárbaras de vida.

Temos uma crise? Sim. Qual? Crise total e completa do atual modo de produção, o capitalismo. Isso nos coloca diante do atual dilema – O que fazer? 

Não temos tempo para ensaios. Não há possibilidade para a construção de grandes scripts. Todas as centrais sindicais e os ditos partidos de esquerda orientam-se pela dinâmica da marcha ré ao bandear para o lado da burguesia em decomposição. Na verdade, as atuais burocracias e aristocracias dos partidos de ‘esquerda’ e das centrais sindicais são filhos adotivos da burguesia.

A única saída que sobra à classe trabalhadora é organizar-se pela base. Os famélicos da terra os quais sofrem o constante agravo devem constituir-se na força material revolucionária. Claro, isso não dar-se-á pela via do espontaneísmo ou do aventurismo. Sendo, portanto, necessário a reconstrução do partido operário revolucionário. A burguesia tentará de tudo para silenciar e amordaçar a classe trabalhadora que está sendo empurrada ao abismo junto com ela. Entretanto, somente os trabalhadores poderão dar uma resposta às tarefas históricas que se apresentam para a construção do novo modo de produção e reprodução da vida. Um modo de produção não mais baseado na exploração do homem pelo homem, senão na planificação da produção e na distribuição social dos resultados.

A esquerda revolucionária não deve furtar-se do seu papel histórico. Ela deve começar a pautar todos os setores da sociedade. Onde a mídia diz haver crise, a esquerda revolucionária tem que apontar saídas concretas. Ela não deve contentar-se com o debate acadêmico e nem com a divulgação da necessidade da revolução em abstrato.

Há crise energética? Pautemos a questão. Pois, afinal de contas, energia segundo os manuais de física é ‘a capacidade de produzir trabalho’. Portanto, como haverá trabalho sem energia? A esquerda revolucionária deve superar a atual alienação energética posta em seu seio. Em se tratando de América Latina, estamos diante do maior celeiro energético do mundo. Temos as marés, petróleo, urânio, água, uma vasta fauna e o SOL – REATOR MAGNÂNIMO, a fusão nuclear, centro do sistema cósmico ao qual pertencemos – que aparece diariamente em toda a América Latina. 

A energia solar em contato com a umidade da terra produz energia química através do processo de fotossíntese. Temos aqui nos trópicos não somente a capacidade de movimentar as máquinas, mas muito mais do que isso, as pessoas. A FOME nos trópicos é um absurdo. Fome na fartura é CRIME.

A matriz energética que melhor se apresenta a fim de atender às nossas atuais demandas é a Biomassa. Ela foi projetada como saída à crise do petróleo na década de 1970. Ainda que tenha nascido dentro do regime militar, ela não pode ser ignorada. Pois se ela para nada prestasse, o imperialismo estadunidense não teria derrubado o seu mentor, o cientista Bautista Vidal, à época secretário da Secretaria de Tecnologia Industrial.

O programa Pró-Álcool (parte do programa da Biomassa), normatizado pelo Decreto nº 76.593, de 14 de Novembro de 1975, tinha duas pretensões, uma de curto prazo e a outra de médio-longo prazo. A pretensão de curto prazo era colocar-se como saída à crise do petróleo, e a pretensão de médio-longo prazo consistia em substituir, gradativamente, a matriz energética petrolífera pela matriz energética da Biomassa. Um dos principais avanços almejados pela Escola da Biomassa a longo prazo era a produção de motores movidos a célula de combustível, capazes de transformar energia química em energia elétrica sem necessidade de combustão. Esse avanço almejado encontra-se hoje nas mãos da empresa automobilística japonesa Nissan. 

A escola da Biomassa pretendia também a longo prazo substituir, por meio da construção das biorrefinarias, a indústria química petrolífera. Atualmente tal proposta encontra-se nas mãos dos países imperialistas para ser aplicada em solo brasileiro. Não por acaso que as potências imperialistas ocidentais e a China estão forçando o parlamento brasileiro a aprovar o Projeto de Lei n° 2963, de 2019 que regulamenta a aquisição, a posse e o cadastro de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira.

Observe abaixo o funcionamento de uma biorrefinaria a partir de materiais Lignocelulósicos

A Biomassa à época de sua criação não foi pensada por meio da luta de classe, e sim para solucionar a crise do petróleo vivida na década de 1970. Mas isso de forma alguma permite que a esquerda revolucionária fuja do debate.

Por meio da escola da Biomassa é possível alcançar o álcool, o leite, a carne, rapadura, açúcar mascavo, adubo orgânico, mandioca, farinha de mandioca, beiju, tapioca, o autodesenvolvimento e a manutenção das culturas brasileira, contrapondo-se, assim, ao desenvolvimento sustentável defendido e divulgado pelos países imperialistas. Luís da Câmara Cascudo, no livro História da alimentação no Brasil, apontou que enquanto houver farinha de mandioca existirá o brasileiro.

Além do sol, a Biomassa precisa de clima úmido, de solo profundo e quantidade de solo. Características, estas, abundantes no Brasil. A Biomassa é de alta produtividade e alta competitividade nos países tropicais, ela praticamente não tem competitividade nos países de zonas temperadas, porque o eucalipto, a mandioca, a cana de açúcar, o dendê, a macaúba, não crescem nessas regiões. A energia fóssil é energia de jazida, ou seja, concentrada. A Biomassa, por sua vez, é descentralizada, orgânica e democrática (Marcello Guimarães).

Segundo o geólogo Marcello Guimarães, em termos de desenvolvimento social, temos a seguinte equação: com cerca de 2 bilhões de dólares é possível fazer uma refinaria para produzir 100 mil barris/dia de petróleo. Com o mesmo recurso é possível fazer 100 mil micro-destilarias para produzir os mesmos 100 mil barris/dia. A diferença é que a refinaria de petróleo gera somente 7 mil empregos, enquanto as 100 mil microdestilarias criam 1 milhão de empregos. Ademais, as microdestilarias ajudam a ocupar espacialmente o território brasileiro.

Contudo, quais os limites colocados para a esquerda revolucionária ao defender um programa energético baseado na Biomassa? A questão agrária. O latifúndio é o maior impedimento para o autodesenvolvimento de uma matriz energética soberana, autônoma e limpa no Brasil. O atual agronegócio é refém do petróleo e do adubo nitrogenado.

A matriz energética do petróleo criou os Rockefellers. E este, ao lado de Carnegie, fortaleceu a medicina alopática, fundamentada na teoria do germe que afirma que microorganismos externos, como bactérias e vírus, atacam, invadem e infectam o corpo, causando doenças. Esse pensamento dentro da comunidade médica fortaleceu-se e tornou-se dominante através do Relatório Flexner de 1910. Dois anos após a publicação do relatório, a Fundação Rockefeller financiou a fundação da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). A teoria dos germe ou medicina alopática dos Rockefellers criou uma profunda interdependência entre as Faculdades de medicina do Ocidente e as grandes farmacêuticas. O petróleo, que hoje aduba o latifúndio e nos empurra aos hipermercados nos levando à intoxicação alimentar, se oferece como saída, aos males por ele causados, por meio dos grandes fármacos. Hoje, vivemos do mercado à farmácia.

Não obstante, a matriz energética da Biomassa criará o brasileiro. Dando uma identidade aos ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada. Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos: Que não são embora sejam (Eduardo Galeano). É da terra que temos que retirar nosso remédio. É através dela que devemos fortalecer o nosso sistema imunológico inato e adaptativo. 

O corpo cura por si mesmo. O médico é só um assistente da natureza; As forças naturais que se encontram dentro de nós são as que realmente curam nossas doenças; Que o teu alimento seja o teu remédio e o que o teu remédio seja o teu alimento; e A cura está ligada ao tempo e às vezes também às circunstâncias. (Hipócrates).

Construamos nossa própria medicina, baseada em nossas próprias circunstâncias. Adotemos os manuais de medicina do médico juizforano, Antonio da Silva Mello. Antes da chegada do europeu, o indígena não conhecera o sarampo, a caxumba, a coqueluche, a tuberculose, a varíola e a sífilis, por quê? Eldorado explica.

De quem é o sol? Há um dono? As potências imperialistas se apropriam do sol por meio da posse da terra, a maior depositária da energia solar. Dentre todas as terras, a maior reserva de energia solar e hídrica do mundo é a floresta Amazônica. Por isso que os países hegemônicos disputam palmo a palmo o controle do bioma amazônico, enquanto os milicos vendilhões, traidores e lambe-botas dizem amém ao sequestro. 

Ah, nacionalistas! Digam-me – Há neutralidade política dentro das Forças Armadas? Não por acaso que elas são pró-EUA. Se realmente vós quereis uma Força Armada capaz de defender os interesses do país, que tal pensarmos na possibilidade de uma Força Armada Conjunta formada pela aliança dos trabalhadores urbanos com os camponeses trabalhadores? Há melhores soldados que essas duas frentes da classe trabalhadora na defesa do país? Não são eles que lutam pelo direito à terra há 500 anos? Observeis de hoje em diante como vós estais encharcado do vício colonizador em suas demandas e entranhas.

As potências imperialistas, localizadas nas zonas temperadas, se desenvolveram sob a égide do carvão mineral e do petróleo e hoje buscam novas formas de energia para se manterem. Energia é poder. A escolha da matriz energética determina por qual caminho a tecnologia desenvolver-se-á. E por tudo isso a luta de classe responde!

O carvão mineral criou a grande indústria inglesa. O petróleo, a indústria automobilística, apesar de os primeiros veículos automotores terem sido projetados para funcionar à base de etanol ou óleo vegetal. Por fim, o adubo nitrogenado criou os enormes depósitos de famélicos urbanos, denominados megalópoles. Fica a pergunta: Onde se encontra o núcleo duro das pandemias? Realmente, o agro é tech, é pop, é tudo?

O adubo nitrogenado à base de petróleo esvaziou o campo. Até 1960, os EUA tinham 60% da população na área rural. Atualmente, têm 3%. Os adubos nitrogenados foram desenvolvidos após a segunda grande guerra, entre eles estão: o sulfato de amônio, a uréia, o MAP e o DAP. Dessa forma, o pequeno agricultor ficou impossibilitado de competir com o latifundiário, havendo, assim, a expulsão do homem do campo. Ele deixa o campo e passa a integrar e a engrossar as fileiras das grandes cidades. A megalópole é produto do adubo nitrogenado e através deste é ela alimentada (Marcello Guimarães).

Ao lado da energia e dos correspondentes pacotes tecnológicos encontram-se os pacotes político-pedagógicos a serem estabelecidos na educação formal para treinamento da mão de obra. A atual educação formal é produto direto da matriz energética petrolífera e encontra-se sob o monopólio das quatro irmãs:  Exxon Mobil, Chevron Texaco, Shell e a British Petroleum. A educação formal existente é unilateral, molecular e fragmentada.

Como dito, não é a matriz energética, a tecnologia corresponde e os pacotes político-pedagógicos que respondem pelo desenvolvimento da história. A história é determinada pela luta de classes. Pelo combate teórico, ideológico, político e bélico. É a luta de classes que define como a sociedade produzirá suas condições de vida. São as múltiplas determinações que formam a realidade. Dessa forma, conseguimos entender que a FOME é produto do capitalismo alimentado pelo petróleo sob o domínio do cartel das 4 irmãs. O SOL é democrático, descentralizado e de todos. Assim deve ser a água, a terra e todos os recursos nela existentes.

Portanto, para que a Biomassa vingue dentro do programa político da esquerda revolucionária é necessário se colocar frontalmente a favor da coletivização de todas as terras e absolutamente contra o agronegócio genocida

O agro não é tech, não é pop, não é tudo. 

No entanto, ela se move! Um abismo chama o outro.

A esquerda revolucionária ao defender a coletivização das terras deparar-se-á com outro problema: a escassez de fontes de financiamento, que atualmente são administradas pelas finanças transnacionais. Diante de tal constatação – Qual o papel do partido revolucionário? Defender com toda rigidez, robustez e pujança a nacionalização do crédito e a anulação de todos os mecanismos e arranjos institucionais que alimentam a dívida pública. 

Assim, apresentar-se-á automaticamente outra questão a ser resolvida: Atualmente, quem são os reais donos do Estado? A burguesia. Como superar essa Obstrução? Somente pela total expropriação dos meios e modos de produção das mãos da burguesia, impedindo, de uma vez por todas, que ela se reproduza enquanto classe exploradora. Isso dar-se-á somente com armas em punho dentro de uma estratégia e táticas bem definidas, de modo a possibilitar o movimento de todas as forças revolucionárias. 

REVOLUÇÃO! REVOLUTION! RIVOLUZIONE! RÉVOLUTION! REVOLUCIÓN! 革命! ثورة! РЕВОЛЮЦИЯ! מַהְפֵּכָה! क्रान्ति! επανάσταση! انقلاب! Uhlaziyo! Áantaj je’ela’! káaj! Kacaan! Revolusie! mac-hê!

Todas essas questões não têm implicações somente na vida material dos sujeitos, mas também no campo da cultura. A cultura pode ser definida como a fiel depositária da riqueza imaterial/material construída através das relações sociais tecidas e consolidadas. O grande arcabouço ideológico. A grande mãe social de todos os sujeitos. A cultura não é diferente de outras áreas a serem resolvidas pelo ascenso da classe trabalhadora. Ela também é marcada pela guerra entre as classes em disputa. Inclusive a sua conceituação.

A conceituação mais antiga está vinculada à agricultura. A palavra cultura vem do latim culturae, “ação de tratar”, “cultivar” e “cultivar conhecimentos”, que, por sua vez, originou-se do termo latino, colere, que quer dizer “cultivar as plantas”. A cultura nesses termos é resultado da relação estabelecida entre o tratamento dado pelo sujeito à terra e a relação deste sujeito com outros sujeitos. É com a divisão da sociedade em classes, principalmente no período greco-romano, que o conceito de cultura deixa de ser assim definido para ser ressignificado à luz das classes dominantes. De agora em diante, as classes dominantes passam a considerar o conceito de cultura, tão somente, como sinônimo de formação, melhoria e refinamento do homem. Nas palavras de Francis Bacon – “a geórgica do espírito”. Ou seja, conjunto dos modos de viver e de pensar cultivados, civilizados, polidos, que também costumam ser indicados pelo nome de civilização (Abbagnano).

O legado conceitual formado no período greco-romano foi resgatado pela burguesia em sua ascensão renascentista. A partir desse momento a Europa, leia-se as ‘burguesias’, passou a justificar a sua expansão econômica por meio da luta travada entre a civilidade, por ela representada, e o barbarismo. Constituindo, assim, uma grande cruzada ideológica. Tudo isso para esconder a voracidade burguesa por terras, recursos e sangue.

Contudo, foi a partir do século XVIII com o avanço da grande indústria e surgimento da Antropologia, ao adquirir a categoria de ciência, que o conceito de ‘cultura’ passou a ser justificado de modo mais intenso como “o complexo que inclui conhecimento, crenças, arte, morais, leis, costumes e outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. Por meio dessa definição antropológica criou-se, também, a sua contraparte – a denominada “teoria do bom selvagem”. A qual considerou os índios como detentores de uma natureza moral pura, modelo que devia ser assimilado pelos ocidentais. Isto posto, para que a ‘civilidade’ burguesa em tudo se justificasse como superior a culturas exploradas, criou-se a teoria das raças. A teoria das raças serviu como agente suavizador da tensão existente entre as duas forças antagônicas em disputa.

De um lado, a força centrípeta ou força dominante de consenso. Caracterizada pela necessidade de homogeneização do pensamento, do hábito, do costume, da estética, da arte, da moda, do gosto, do paladar entre outros. De outro, a força centrífuga ou força de resistência. Caracterizada por sua forte oposição à ideologia dominante e ao respectivo centro gravitacional de influência.

Hoje, diante da crise estrutural em que o capitalismo se encontra, o principal desafio para a burguesia consiste em manter seus aparelhos hegemônicos em funcionamento. Pois com o aprofundamento da crise as forças centrífugas passam a acumular forças e a se oporem com maior veemência à hegemonia burguesa, erguendo, assim, um fértil solo de lutas em torno da disputa ideológica.

Como a esquerda revolucionária deve se posicionar nesse combate?

Antes de tudo é preciso que os revolucionários descubram o núcleo de radiação da força hegemônica cultural da burguesia que a possibilita trazer todas as coisas para o centro de sua vontade. Hoje, o núcleo ideológico da burguesia encontra-se representado pelos grandes oligopólios da comunicação, isto é, as mídias corporativas. A voz por estas enunciada é a voz da mercadoria que tem por fim a realização da mais-valia. As mídias corporativas apresentam a mercadoria à sociedade por meio da estética do digestivo, fundamentada no sorriso de gente rica, alegre, cômica, morando em casas bonitas, andando em carros de luxo e rápidos, sem mensagens, de objetivos puramente industriais (Glauber Rocha).

Como opor-se aos oligopólios da comunicação?

Por duas vias. Uma passa por dentro do coração desses oligopólios, a outra por fora. A primeira pode ser definida como plano da expressão enquanto a segunda como plano do conteúdo. O plano da expressão demanda a utilização de todos os meios comunicacionais possíveis fornecidos pela burguesia (redes sociais, sites, rádio comunitária, jornais impressos e digitais, charges, memes, folheto, nota, logotipo, curta e longa metragem, etc.) pelos trabalhadores, ou seja, demanda a utilização de todos os meios possíveis de expressão. Contudo, somente isso não resolve a questão. É preciso que a utilização de todos os meios possíveis de expressão esteja acompanhada de uma nova FORMA de expressão assim como de um novo CONTEÚDO que correspondam diretamente às demandas da classe trabalhadora.

É neste ponto que as ditas esquerdas inflamadas e perdidas em seu ego se perdem. Elas utilizam todas as oportunidades possíveis de expressão sem, no entanto, oferecer nenhuma forma e conteúdo de classe. Maiakovski disse que “Sem forma revolucionária não há arte revolucionária”. No entanto, onde encontrar a seiva para a construção do novo conteúdo a fim de se opor-se ao conteúdo da burguesia? Na experiência viva dos povos. Nas regionalidades. Nas especificidades da cultura. A isso damos o nome de folclore. Não caiamos no erro, aqui no Brasil, de resumir o folclore a Saci Pererê. E nem considerá-lo como algo provinciano e reacionário.

A experiência viva do povo brasileiro, o folclore, é a força viva que pode colocar-se em oposição à ideologia burguesa. A expressividade do folclore brasileiro é oral. O povo brasileiro é considerado ágrafo aos olhos dos escritores europeus, contudo – o que são os repentistas? Dizem que o folclore não produz tecnologia, todavia – como classificar o tipiti? Folclore é tradição. Quem coloca o folclore como algo arcaico e/ou reacionário está em diálogo com a matriz de pensamento do progressismo capitalista, formulado pela escola historiográfica escocesa. Folclore está ligado à terra como valor de uso e não como valor de troca. Qual o valor de troca do Saci Pererê? Não existe. E o do Halloween?

As fábulas do folclore brasileiro são construídas em torno das caras necessidades da escola da Biomassa. Nelas encontramos a presença do sol, da fauna, da flora, da água, do solo, da fertilidade das terras e das riquezas vegetais e minerais. E o que encontramos nas fábulas da Galinha Pintadinha e Peppa Pig? Não é por essas que nossas crianças alimentam diariamente o imaginário?

O folclore como tradição é a transmissão do milênio no instante. É a experiência do viajante conjugada à do camponês. É dinâmico. Ele é construído pelas classes subalternizadas, oprimidas e exploradas. O capitalismo em sua fase superior, o imperialismo, cerceia toda manifestação da experiência do milênio no instante. Não há espaço ao espontâneo. O que vale é o aqui e agora. A relação com o tempo passa-se de forma monocrômica. Isto é, no compasso da mercadoria. O capitalismo fez com que abandonássemos as narrativas dos velhos para absorver a informação do vulgar.

Como tornar o saber vivo da experiência popular numa força ideológica?

Uma das principais vias, tratando dos países dependentes, ainda continua sendo os mecanismos da educação formal conjugados ao da educação informal. Neste ponto temos que utilizar todo o potencial da educação formal para sistematizar o saber popular e os meios informais para divulgá-lo. O que demanda habilidade política e pedagógica para conjugar os saberes científicos aos saberes populares. Somente assim é possível dar uma explicação concreta à realidade da cultura popular.

Os professores e os demais intelectuais orgânicos da classe trabalhadora devem lutar pela sistematização do saber popular com o propósito de conceber uma explicação materialista dialética da realidade a fim de construir uma sólida força política. A sistematização do folclore (saber vivo da experiência popular) não tem por objetivo conformar os oprimidos a aceitar suas precárias condições de vida. O propósito é ‘educar as massas’, libertando-as e levando-as a uma visão totalizante do mundo a ser transformado. É tornando o saber popular numa teoria fundada em elementos sólidos que poderemos formar e fundamentar uma força ideológica centrífuga capaz de se opor à ideologia dominante. Precisamos explicar a tradição popular de modo crítico, dotar o povo de instrumentos de defesa ideológica assim como de elementos concretos para a superação de suas precárias condições de vida.

Gramsci apontou em seus cadernos que ‘o folclore, constituído como é, em grau máximo, pelos resíduos da cultura hegemônica, é sempre “contraditório e fragmentário”; aproxima-se do “provinciano” por ser particularista e anacrônico; representa “uma fase relativamente enrijecida dos conhecimentos populares de uma certa época e lugar’. Ainda que o folclore seja particularista (regional), ele não pode constituir-se como força anti-imperialista? E como pode ser anacrônico se ainda se mantém como uma força cultural viva?

Diante da colocação de Gramsci fica a pergunta – Como formar em um país dependente, como o Brasil, um sistema literário orgânico no qual os níveis desprezados da cultura tenham lugar e sejam vistos nas suas implicações recíprocas e a partir daí construir uma força ideológica capaz de concentrar esforços para executar uma guerra de posições por meio da cultura contra a burguesia?

O apelo que se faz ao folclore (saber vivo da experiência popular) não é capricho romântico em busca de um saber infanto-juvenil, mas tão somente a busca por uma outra porção cultural tão desprezada como o povo que dela se serve.

Ao propor a sistematização do saber popular pelas armas da ciência crítica não estaríamos em busca do consenso indispensável para chegarmos ao poder?

A ruptura com os racionalismos colonizadores é a única saída. As vanguardas do pensamento não podem mais se dar ao sucesso inútil de responder à razão opressiva com a razão revolucionária. A revolução é a anti-razão que comunica as tensões e rebeliões do mais irracional de todos os fenômenos que é a pobreza. A cultura popular é a linguagem popular de permanente rebelião histórica. O encontro dos revolucionários desligados da razão burguesa com as estruturas mais significativas desta cultura popular será a primeira configuração de um novo significado revolucionário. As revoluções se fazem na imprevisibilidade da prática histórica que é a cabala do encontro das forças irracionais das massas pobres (Estética do Sonho – Glauber Rocha).

Luta de Classes – Energia, Terra, Pão e Poesia. 

O socialismo nos trópicos pode receber a alcunha de Solcialismo.

Levante ! Organize-se! Lute!
A hora de Lutar é Agora!

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