A 10 anos da revolta popular na Turquia

A 10 anos da revolta popular na Turquia

Sobre a revolta popular de 2013 na Turquia aconteceu em paralelo com as manifestações de 2013 no Brasil.

A revolta popular de 2013 na Turquia aconteceu em paralelo com as manifestações de 2013 no Brasil. Por esse motivo, precisamos entender o que esteve por detrás já que o script foi mais ou menos similar.

As manifestações começaram por um motivo aparentemente tão banal como o aumento dos 20 centavos na passagem de ônibus na cidade de São Paulo, no Brasil.

Na Turquia, o fator detonador das revoltas foi a tentativa de impedir a derrubada das árvores do Parque Geza, na Praça Taskim, na cidade de Istambul, com o objetivo de dar lugar a um centro comercial. 

A polícia apareceu, expulsou violentamente os ocupantes, queimou tendas e pertences, e usou gás lacrimogênio e canhões de água para despejar os manifestantes. 

Essa faísca foi acessa, e se espalhou em apenas 48 horas, da mesma maneira que tinha acontecido na Grécia em 2008 (assassinato de um estudante de 15 anos pela polícia), na Tunísia (a truculência da polícia contra um vendedor de frutas, graduado em Informática, que acabou se auto-imolando), na Praça Tahir, no Egito, ou na Suécia (o assassinato de um cidadão sueco, de origem imigrante, de 69 anos de idade, pela polícia). 

Essas explosões, a partir de motivos aparentemente mínimos, como a gota de água que enche o copo, que estão colocadas à ordem do dia conforme o capitalismo se debate na pior e crescente crise da sua história.

A falta de direção política e de organização têm tornado esses movimentos espontâneos presas fáceis dos serviços repressivos e da “esquerda” oportunista, que atua em conjunto com o estado burguês.

É por essa razão que o papel dos verdadeiros revolucionário é levar a consciência política desde fora aos movimentos de luta espontâneos, fundindo-se com os movimentos de massas em luta.

Mais repressão, mais protesta

Os maiores protestos desde o golpe de estado militar de 1980 tomaram a principal cidade da Turquia, Istambul, outras importantes cidades, como Izmir, Eskisehir, Mugla, Yalova, Antalya, Bolu, Adana, e inclusive tradicionais bastiões do AKP (Partido do Desenvolvimento e Justiça) naquela época, como Ankara, Kayseri e Konya – centenas de milhares de pessoas saíram às ruas gritando palavras de ordem contra o governo e promovendo cacerolazos, no melhor estilo argentino. O centro dos protestos aconteceu na Praça Taksim, na cidade de Istambul.

As manifestações aumentaram na mesma proporção em que aumentava a violência policial, que deixou um saldo de mais de três mil pessoas feridas, das quais em torno de 30 em estado crítico, pelos menos duas pessoas mortas e mais de 1.500 pessoas presas somente na capital. 

O governo acabou optando por retirar as forças repressivas de cena e o presidente Abdulá Gül pediu desculpas aos manifestantes na tentativa de conter a escalada dos protestos. 

A CSTP (Confederação dos Sindicatos dos Trabalhadores Públicos), que representa a 240 mil filiados, declarou “greve de advertência”, por dois dias, como protesto contra a violência policial, reivindicando a manutenção do Parque de Gezi e o fim do projeto imobiliário previsto pelo governo, a demissão dos responsáveis policiais pela repressão dos últimos dias, a libertação imediata de todos os manifestantes presos e o levantamento de todas as proibições de manifestações na Turquia. Outros sindicatos se colocaram em estado de alerta.

Os principais fatores que detonaram os protestos

O fator principal que tem impulsionado os protestos tem sido o aprofundamento da crise capitalista e o efeito contágio da desestabilização do Oriente Médio. 

Ao desemprego e à carestia da vida, soma-se o aumento da repressão policial, disfarçada parcialmente com a aplicação de algumas das leis da Sharia, que levou milhares de opositores do regime à cadeia, além de uma enorme corrupção na empresas públicas (conforme foi denunciado pelo cabos vazados pelo Wikileaks).

O governo nacionalista de Erdogan, na época, tinha fortes laços com o imperialismo, principalmente o imperialismo europeu.

Os demais principais partidos burgueses também aparecem como nacionalistas, com predominância dos identificados com a tradição “Kemalista”, de Kemal Ataturk, o fundador e primeiro líder da Turquia moderna, mas que, em linhas gerais, compartilhavam os principais componentes da política do AKP – entrada na União Europeia, desenvolvimento do hub energético para o fornecimento de gás à Europa, manutenção do setor manufatureiro de baixo custo e aumento do papel regional no Oriente Médio, além de negociações de paz com os curdos.

As contradições nacionais tinham se acirrado nos últimos cinco anos. 

A questão curda era a mais ameaçadora para a estabilidade do regime político de conjunto. 

Por esse motivo, o governo desenvolveu um grande esforço para tentar viabilizar um acordo de paz. 

Os curdos representam 20% da população total da Turquia e habitam a estratégica província de Anatólia Oriental.

Outra quinta parte da população é composta por alevis, setor emparentado com os alawitas que governam a Síria. Os turcos sunitas representam em torno da metade da população.

O apoio do governo Erdogan a guerrilheiros sunitas que atuam na Síria, com o imperialismo europeu por trás, principalmente ao ESL (Exército Sírio Livre), tem acirrado as contradições, acentuadas por confrontos e massacres históricos.

Todas essas contradições ficam ainda mais acirradas após a tentativa de golpe de estado fracassado contra o governo Erdogan, promovida pelos Estados Unidos em 2016 na tentativa de impor um governo muito mais alinhado e controlável no contexto da nova onda da escalada da maior crise capitalista de todos os tempos.

Erdogan foi avisado com antecedência do golpe em curso pelos russos, da mesma maneira que Dilma também tinha sido avisada, que acabou sendo derrotado.

A partir daí, o governo turco encabeçado por Erdogan promoveu o distanciamento do imperialismo norte-americano, e parcialmente dos europeus, e a aproximação com a Rússia e a China.

Adeus ao modelo europeu para o Oriente Médio

O AKP tentou impulsionar a Turquia, com o imperialismo europeu por trás, ao papel de potência regional do Oriente Médio. 

O regime turco foi estabelecido como modelo para a Irmandade Muçulmana, que, até a deterioração da estabilidade na Síria, era o principal mecanismo contrarrevolucionário de avance da revolução no Oriente Médio – o casamento entre o Islã moderado e a democracia pró-imperialista, sob um nacionalismo moderado em oposição ao nacionalismo Baath e, principalmente, aos salafistas, os guerrilheiros nacionalistas sunitas.

O chamado “modelo de crescimento turco”, como contenção à crise capitalista, que avançava muito aceleradamente no Oriente Médio, sob a pressão do estouro capitalista de 2008, está baseado na intermediação do fornecimento de energia à Europa, proveniente do Irã, o Cáucaso e as repúblicas da Ásia Central. 

Sob essa base foi promovido o acordo de paz com os guerrilheiros curdos do PKK (Partido dos Trabalhadores) que tem como principal objetivo estabilizar a Província de Anatólia Oriental, um ponto nevrálgico para essa política, e levantar uma barreira contra a expansão do avanço dos guerrilheiros a partir do iminente descalabro do governo al-Assad na Síria. 

Essa política foi mudada com a tentativa de golpe de estado de 2016. Os curdos do PKK passaram a atuar como agentes do imperialismo norte-americano no norte da Síria.

Nesse ponto, apesar da competição e a aliança econômica com a Rússia e o Catar, há uma frente única das burguesias locais no poder e do imperialismo para impedir que a crise síria transborde para os países vizinhos, o Transcáucaso e o sul da Rússia.

Os curdos representam um quinto da população, crescem a uma taxa três vezes superior à dos turcos falantes e estão espalhados em quatro países (Turquia, Síria, Iraque e Irã). 

O fortalecimento da política do Grã Curdistão, promovida pelo aumento da crise na região, levaria ao esfacelamento da estabilidade no Oriente Médio com consequências para o controle imperialista do petróleo.

O chamado “modelo de crescimento turco”, mesmo tendo o potencial de trazer importantes recursos para o País, tem muitas contradições – gasodutos que não passam pela Turquia, crise na Europa, altíssimos investimentos, prazos para os gasodutos entrarem em funcionamento, a necessidade de fazer concessões aos curdos que habitam a província da Anatólia Oriental, entre outras. A crise na Turquia atingiu hoje uma escala altamente explosiva.

As demandas do povo turco, além de meia dúzia de árvores

As demandas do povo turco foram muito além da derrubada de meia dúzia de árvores. 

No centro da questão está o repasse da crise capitalista sob as costas das massas trabalhadoras. 

Por esse motivo, em primeiro lugar, a bandeira de luta mais importante é a estatização, sem indenização e sob o controle dos trabalhadores, do parasitário sistema financeiro, incluindo a estatização do sistema creditício. 

Isso implica no rompimento com os vários órgãos que amarram a economia turca, a começar pela UE (União Europeia), o BCE (Banco Central Europeu) e o FMI (Fundo Monetário Internacional). 

A distribuição das horas de trabalho disponíveis, entre todos os trabalhadores, a escala móvel das horas de trabalho, deve ser colocada à ordem do dia, sem redução dos salários, assim como a suspensão de repasses de recursos públicos para os capitalistas. 

As empresas que demitirem devem ser imediatamente estatizadas, sob o controle dos trabalhadores. 

Devem ser outorgados amplos direitos a todas as minorias nacionais. 

As bases militares do imperialismo e a OTAN devem ser expulsas do País, assim como os diversos órgãos da União Europeia. 

Os trabalhadores devem lutar por desmontar o estado policial e substituí-lo por milícias formadas pelos trabalhadores, por um governo operário e camponês, pelos Estados Unidos Socialistas da Europa.

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