134 anos do nascimento do grande escritor Oswald de Andrade

134 anos do nascimento do grande escritor Oswald de Andrade

Este ano comemoram-se os 134 anos de nascimento de um dos nomes essenciais do movimento modernista, o escritor Oswald de Andrade. Foi romancista, poeta, dramaturgo, jornalista, militante revolucionário comunista, agitador cultural e autor de dois dos manifestos mais importantes da literatura brasileira

Certamente o maior agitador do movimento modernista brasileiro, Oswald de Andrade foi uma personalidade complexa, singular, transformada em figura mítica dos anos heróicos da ebulição modernista que assaltou o país em meio à maior farra especulativa da economia cafeeira às vésperas da Grande Depressão de 1929.

Dono da obra mais inventiva e internacional de nossa literatura, Oswald deveu este vanguardismo à grande aproximação que teve da fermentação dos modernismos europeus. Foi a um só tempo futurista, cubista, expressionista, dadá, surrealista e construtivista sem nunca perder de vista o eixo fundamental de sua atividade criativa: a busca incessante por uma expressão verdadeiramente nacional, com temas e linguagem retiradas diretamente do cotidiano da vida brasileira. “Contra o gabinetismo, a prática culta da vida. Engenheiros em vez de jurisconsultos, perdidos como chineses na genealogia das idéias”. Bradaria ele em seu primeiro manifesto. Esta seria a tônica de toda sua obra madura.

A ousadia e radicalismo de sua linguagem, tanto na literatura, quanto na vida, atacando sem concessões todos os inimigos desta revolução cultural. Baluarte da renovação das letras, participou também da revolução política que se processava no mesmo período. Superando as limitações do nacionalismo burguês da qual seu movimento nasceu, combateu o ufanismo rasteiro dos proto-integralistas verde-amarelos em função de um verdadeiro sentimento de luta pela nacionalidade independente, apoiado na classe operária e a luta por sua emancipação.

Filiou-se ao PCB, adquiriu uma consciência socialista da vida e apoiou a luta operária através de seu jornal O Homem do Povo. Enfim, tornou sua obra política, e desta forma, “enojado de tudo” tornou-se da maneira que pode aquela “casaca de ferro na Revolução Proletária”. Como inúmeras personalidades das letras nacionais, no entanto, passada a euforia dos primeiros anos modernistas, acabou desacreditado, morrendo pessimista, miserável, esquecido a ponto de afirmar “considero minha obra acima da compreensão brasileira”. O início do resgate de sua herança literária seria retomada somente uma década após sua morte.

A pré-história da metrópole     

“Nasci em São Paulo, na atual Avenida Ipiranga nº 5, ao meio-dia de 11 de janeiro de 1890”. José Oswald de Sousa Andrade foi o único filho de uma abastada família burguesa paulistana, que ainda em sua infância se tornaria uma próspera representante da burguesia cafeeira. «São Paulo era uma cidade pequena e terrosa. Pouca gente. Um ou outro sobrado de um só andar». Dificilmente alguém imaginaria que aquela capital provinciana poderia se tornar um dia a terceira maior metrópole do mundo.

Desde a infância, através das atividades políticas de seu pai, Oswald acompanharia de perto todos os principais progressos técnicos da cidade. Das descrições do velho sobre o recente sistema de canalização da água ou o surgimento da eletricidade: “Um mistério esse negócio de eletricidade. Ninguém sabia como era. Caso é que funcionava. Para isso as ruas da pequena São Paulo de 1900 enchiam-se de fios e de postes”.

Oswald presenciou ainda o processo intensivo de urbanização do centro de São Paulo, que então concentrava-se em torno da Igreja da Sé, onde posteriormente seria erguida a Catedral. Testemunhou a construção do Teatro Municipal, do Viaduto Santa Efigênia, do Viaduto do Chá, da Praça da República, o edifício da Light, e toda a urbanização que hoje caracteriza a arquitetura central de hoje e a face moderna de São Paulo da década de 1920. Um processo permanente de expansão e desenvolvimento que estaria na base do espírito “futurista” de sua geração.

Oswald cresceu ao mesmo tempo em que a São Paulo do século XX ganhava forma e personalidade. Acompanhou com entusiasmo o aparecimento da Estrada de Ferro Central do Brasil, dos bondes elétricos, do rádio, do cinema, da disseminação das propagandas publicitárias e o aparecimento, nos anos 20 dos primeiros automóveis e aviões.

Já em 1905, o jovem Oswald aos 15 anos, começa a participar de sua primeira roda literária da qual faziam parte o poeta Ricardo Gonçalves e o estudante boêmio Indalécio Aguiar, que “tinha a originalidade de ser surdo e usar barba”. Segundo conta Oswald, nesta época já se considerava escritor e Indalécio seria seu guia espiritual neste período. 

A aurora de sua juventude

Lia bastante nestes anos, interessado particularmente em Eça de Queiroz, Machado de Assis, Dostoievski, Vitor Hugo e Nietsche. Declarava-se nesta época um anarquista, provavelmente sob a influência do militante anarco-sindicalista italiano Oreste Ristori, que freqüentava a roda de Indalécio.

Seu primeiro emprego viria em 1909, como jornalista. Trabalha no Diário Popular, como redator e crítico teatral, colunista da seção diária Teatro e Salões. Nesta época, ingressa também na faculdade de Direito do Largo São Francisco que, ente diversas saídas e retornos, nunca concluiria.

Monta, em 1910, um ateliê com o pintor Oswaldo Pinheiro, no Vale do Anhangabaú, região central da cidade. Deslumbrado com as maravilhas modernas vai também se desvencilhando da família. Realiza neste ano sua primeira viagem ao Rio de Janeiro, onde se vê, por acaso, numa certa manhã, bem diante de um dos mais importantes episódios da política nacional. Ele havia deitado em um banco à noite na região do cais, onde adormecera.

“Acordei em meio duma maravilhosa aurora de verão. A baía esplêndida com seus morros e enseadas. Seriam talvez quatro horas da manhã. E vi imediatamente na baía, frente a mim, navios de guerra, todos de aço, que se dirigiam em fila para a saída do porto. Reconheci o encouraçado Minas Gerais que abria a marcha. Seguiam-no o São Paulo e mais outro. E todos ostentavam, numa verga de mastro dianteiro, uma pequenina bandeira triangular vermelha. Eu estava diante da revolução. Seria toda revolução uma aurora?” Era a famosa revolta dos marinheiros negros cariocas que se rebelavam contra os castigos corporais dentro da Marinha de Guerra.

“Um estilhaço de granada bateu perto, num poste da Light. Os peixeiros deixaram cair seus cestos de mercadoria e vieram acoitar-se, correndo, atrás das estátuas do Comércio e da Indústria que monumentalizavam os jardins da Glória. (…) Era terrível o segundo que mediava entre o ponto aceso do canhão e o estrondo do disparo. Meus olhos faziam linha reta com a boca-de-fogo que atirava”.

O episódio ficou conhecido como Revolta da Chibata, liderada pelo Almirante Negro, João Cândido, um dos maiores heróis nacionais do povo. O fato ficaria profundamente marcado na memória do escritor, da mesma forma que o massacre dos insurgentes, o abafamento do caso e transformação do episódio em um capítulo proibido da história nacional. Formava-se sua visão crítica da política burguesa. Passa neste ano, seu primeiro natal longe da família, em Santos, saboreando a rotina de uma humilde hospedaria de carroceiros na região das docas.

Rumo a Paris

No ano seguinte lança sua primeira revista, O Pirralho, publicação política e literária, da qual também faz parte uma série de nomes emergentes da poesia nacional. Entre eles, o poeta Amadeu Amaral, o escritor Alexandre Marcondes Machado e o caricaturista Voltolino. Torna-se também nesta época grande amigo do poeta satírico Emílio de Meneses, que seria um verdadeiro professor neste quesito.

Alinhado ao bloco civilista contra o militar Pinheiro Machado na presidência da República, O Pirralho, receberia comentários elogiosos de Washington Luís, então Secretário da Justiça e Segurança. Oswald travara relações com ele naquele ano, e, por esta simpatia, o jornal, de orientação democrática, passa a ser financiado pelo próprio Washington Luís, que o considera uma importante ferramenta de enfraquecimento do bloco de Machado a favor de Rui Barbosa.

Já escritor e jovem membro da intelectualidade paulistana, Oswald em 1912 faz uma grande viagem à Europa, onde passará pela Itália, Alemanha, Bélgica, Inglaterra, França e Espanha. Da Itália, se recordaria das belas ruas de Milão e Roma. Em Londres, encontrou “vivas nas ruas duas novidades – o assalariado e a sufragete”. Em Paris, assistiu às óperas, freqüentou os cafés boêmios de Montparnasse, dormiu com prostitutas, arrumou uma namorada – Kamiá – e descobriu o Manifesto Futurista, de Marinetti.

O texto repercutiria fortemente em sua sensibilidade, abrindo-lhe novos horizontes sobre a questão da “modernidade” que ele presenciara tão de perto no cenário urbano de São Paulo. Mostrara-lhe uma nova agressividade e os famigerados versos livres futuristas. Arrisca na ocasião seu primeiro poema, O último passeio de um tuberculoso, pela cidade, de bonde. Experiência que acabaria jogando no lixo. Ele contudo “voltava inocente como fora, pela ladeira de um intérmino mar. Apenas tinha uma dimensão nova na alma – conhecera a liberdade”. No entanto, ele teria afirmado na ocasião: “Estamos atrasados cinqüenta anos em cultura, chafurdados ainda em pleno Parnasianismo”. Prova de que já se apresentava a ele o problema fundamental que o movimento de 22 buscaria resolver.

Noites boemias paulistanas

Ao pisar novamente em terras brasileiras, recebe a notícia da morte de sua mãe. Trazia consigo a namorada francesa, a estudante Kamiá com quem teria seu primeiro filho.

Marcado pelas novas descobertas no velho continente, reassume suas atividades em O Pirralho utilizando uma linguagem muito mais agressiva e debochada, com uma verborragia macarrônica, sob o pseudônimo italiano de Annibale Scipione, influenciado pelas atividades escandalosas dos futuristas italianos que na ocasião viviam o apogeu de seu movimento às vésperas da guerra.

Através de suas ligações jornalísticas, aproxima-se de literatos importantes e seus círculos sociais. Começa a frequentar as reuniões promovidas na famosa Vila Kyrial, edifício na Vila Mariana pertencente ao senador da República Velha e mecenas Freitas Vale. A Vila Kyrial tornara-se durante a década de 1910 um efervescente ponto de encontro da intelectualidade burguesa paulistana onde havia almoços dominicais e festas regulares. Local onde, como ele afirmaria, havia “homens do futuro, homens do passado, políticos, intelectuais, pseudo-intelectuais, estrangeiros, nativos, artistas, bolsistas da Europa, toda uma fauna sem bússola em torno da gota anfitriã do senador poeta”. Lá Oswald conhece e torna-se grande amigo do pintor lituano radicado no Brasil, Lasar Segall. Artista caracterizado por uma técnica expressionista exibida pela primeira vez no Brasil em uma exposição de sua obra em 1913.

Seu primeiro filho, Nonê, nasceria no ano da deflagração da Primeira Guerra. Oswald havia acabado de completar 24 anos.

Os anos de 1915 e 1916 serão decisivos em sua carreira literária. Participa de um grande almoço em homenagem ao parnasiano Olavo Bilac, onde torna-se amigo do poeta e integra a Sociedade Brasileira dos Homens de Letras, organizada por Bilac. Começa um namoro tumultuado com a dançarina Carmen Lydia e faz diversas viagens ao Rio de Janeiro, ligando-se também aos círculos literários de lá, ao lado de João do Rio, Emílio de Meneses e Olegário Mariano, entre diversos outros literatos e boêmios.

Escreve nesta época o primeiro capítulo de A Cigarra e as obras em conjunto com o poeta Guilherme de Almeida Theatre Brésilien — Mon Coeur Balance e Leur Âme, ambas peças teatrais que conseguem certa repercussão nos meios intelectuais através de diversas leituras dramáticas nos salões literários de São Paulo e Rio. Passa também a escrever para o Jornal do Comércio, e O Jornal

O caso Malfatti

Em 1917, todas estas atividades culminam em um rápido amadurecimento do escritor que, neste mesmo ano, concentra em torno de sua figura um grupo informal que viria a se tornar o núcleo do movimento de 1922. Reúnem-se inicialmente na garçonière alugada por Oswald na Rua Líbero Badaró. Até o final do ano, o grupo seria composto pelos escritores Guilherme de Almeida, Leo Vaz, Ignácio da Costa Ferreira, Menotti Del Picchia e Monteiro Lobato, entre outros. Antes do final do ano, se juntariam a eles também Mário de Andrade, que Oswald conhece naquele ano e Anita Malfatti que realiza em 1917, sua primeira exposição, um dos momentos marcantes do modernismo brasileiro.

Na ocasião desta exposição, ocorre uma primeira divisão no grupo, quando Monteiro Lobato, já desgostoso com as idéias, para ele, absurdas e equivocadas, dos jovens artistas do grupo, publica um artigo feroz contra este modernismo. Em Paranóia ou Mistificação? seu alvo central é a pintura expressionista de Anita Malfatti, mas o escritor aproveita também para atacar sutilmente, a literatura de Oswald de Andrade. “Arte moderna, eis o escudo, a suprema justificação. Na poesia também surgem, às vezes, furúnculos desta ordem, provenientes da cegueira nata de certos poetas elegantes, apesar de gordos, e a justificativa é sempre a mesma: arte moderna…”

O resto do grupo se juntará em defesa da pintora, e um artigo escrito por Oswald seria publicado no Jornal do Comércio no começo de 1918. “… possuidora de uma alta consciência do que faz, levada por um notável instinto para a apaixonada eleição dos seus assuntos e da sua maneira, a vibrante artista não temeu levantar com seus cinqüenta trabalhos as mais irritadas opiniões e as mais contrariantes hostilidades”.

Lobato, no entanto, que tinha grande prestígio no meio cultural paulista consegue certa adesão às suas idéias e seu ataque com claro viés conservador é utilizado pela imprensa reacionária para colocar os modernistas na defensiva. Diversos compradores das obras de Malfatti chegam ao ponto de devolver os trabalhos, cria-se uma opinião pública contrária a ela em meio à intelectualidade, a família da pintora considera o caso um escândalo, e Anita Malfatti, sensível, ficaria permanentemente abalada pelo ocorrido, a ponto de nos anos seguintes, regredir a formas de expressão mais convencionais.

O caso seria significativo no sentido de dar uma autoconsciência a estes artistas modernos da verdadeira situação de atraso em que viviam naquele Brasil suburbano. Era a fase final de incubação do modernismo.

Oswald de Andrade, agitador cultural

Ao grupo juntam-se agora o pintor Di Cavalcanti, e o escultor Victor Brecheret. Nestes anos, Oswald começava a escrever seu livro inovador O perfeito cozinheiro das almas desse mundo…, um diário coletivo onde também colaborarão Pedro Rodrigues de Almeida, Monteiro Lobato, Leo Vaz, Guilherme de Almeida e Miss Cyclone – Maria de Lourdes Castro Dolzani de Andrade, sua futura esposa , entre outros.

Miss Cyclone, pronunciada “Cíclone”, “a esfinge do deserto do Brás”, seria a grande paixão de Oswald nestes anos. Uma “esquálida e dramática, com uma mecha de cabelos na testa”. Sua tumultuada relação se estenderia por dois anos, terminando de maneira trágica, com sua morte em 1919 após uma tentativa mal sucedida de aborto, complicações de saúde e uma tuberculose em estágio avançado. Segundo contam seus biógrafos, Oswald nunca se recuperaria deste golpe. Ele estava escrevendo então os primeiros capítulos de seu romance semi-autobiográfico Memórias Sentimentais de João Miramar.

Depois do fechamento da revista O Pirralho, Oswald funda em 1920, com Menotti del Picchia, um periódico literário, porta voz do modernismo nacional, Papel e Tinta.

Através das páginas deste jornal, Oswald se consolida como um dos grandes baluartes e defensores do modernismo nacional, responsável por divulgar de forma mais ampla manifestações importantes do movimento, como a obra de Brecheret e a «face poética» de Mário de Andrade, que defendeu no artigo «O meu poeta futurista». Além de começar a formar, através de artigos e palestras, também uma «pré-história literária» do modernismo brasileiro, como fez com o simbolista Alphonsus de Guimarães, cuja expressão ele destaca como precursora da linguagem modernista.

Por seu dinamismo, criatividade e talento organizativo, Oswald se consolidava então como a liderança inconteste deste movimento que prepararia, dois anos mais tarde, o primeiro grande evento da arte moderna brasileira. Em 1921 seu nome já era bastante conhecido, com seus artigos jornalísticos, palestras e publicações, apresentado como “um dos chefes do movimento intelectual que ali se opera [São Paulo], dando a todo o Brasil um exemplo notável de atividade mental”.

Um escândalo em 1922

Entre os dias 13 e 18 de fevereiro, tinha lugar no Teatro Municipal de São Paulo, o mais importante evento público deste movimento, a Semana de Arte Moderna, onde artistas de diferentes áreas da cultura puderam exibir um exemplo da visão modernista do mundo. Nos saguões do teatro haviam sido instaladas diversas obras modernistas de artes plásticas, com trabalhos como os de Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Victor Brecheret. No palco, o público teve um exemplo das novas correntes musicais com as apresentações de músicos como Villa Lobos e Ernâni Braga. Além das palestras e recitais dos escritores Menotti Del Picchia, Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida, Ronald de Carvalho e Mario de Andrade, entre outros.

Na imprensa, a Semana teria uma relativa cobertura, o Correio Paulistano anunciava em suas páginas: “Nunca nossos artistas se congregaram em hostes ligando num mesmo elo a pintura, a escultura, a música e a poesia”.

A alta sociedade que se reuniu nas plateias do Municipal para assistir aos trabalhos da nova geração, ficou escandalizada. Afora o primeiro dia, foi debaixo de vaias que estes artistas subiam ao palco. E talvez a recepção mais dura de todas, tenha sido contra Oswald de Andrade. No dia 17, Menotti del Picchia apenas anunciou o nome do escritor, e a plateia já desabou em vaias. “Uivos, gritos, pateadas no assoalho, risadas, dichotes chistosos ou impertinentes. Um caos!”, relembraria Menotti. Mas “Oswald não se perturbou”, continua ele, “Marchou impávido para a frente da ribalta. Tomou entre as mãos gordas mas firmes as tiras datilografadas de um capítulo de Os Condenados e pôs-se a ler, fundindo-se sua voz na gritaria. (…) Como um herói na trincheira visava por todos os lados pela fuzilaria inimiga e revidando com o esvaziar a carga da única arma, Oswald, calmo, com o sorriso mordaz com que fazia suas travessuras literárias, continuava a ler a história de Alma, das criaturas fatalizadas e torturadas que torturavam seu romance (…) Ao terminar, o estrondo de vaias aumentou”.

Os Condenados

O evento seria considerado simbolicamente o ponto de partida dessa geração do modernismo brasileiro, que contava já com criações importantes. Já havia as pinturas de Di Cavalcanti e Anita Malfatti, as esculturas de Brecheret e a música de Villa Lobos. Já existiam as poesias de Juca Mulato, de Menotti Del Picchia, Mário de Andrade publicava na ocasião sua influente coletânea poética Paulicéia Desvairada, e Oswald acabara de lançar seu primeiro romance, Alma, o primeiro volume de sua trilogia Os Condenados.

Em Alma, Oswald descreve a decadência de uma boemia paulistana que passa seus dias no centro de São Paulo, vagando por bares cervejarias, pensões deprimentes e bordéis. O livro trazia já uma técnica inovadora, com quadros sintéticos, narrativa descontínua, linguagem frenética, closes surpreendentes e um vocabulário retirado diretamente das ruas, com gírias e palavrões. Seu tema era moderno e mundano retratando a vida nesta nova São Paulo industrial. Sua torturada protagonista apresentava diversas semelhanças com Miss Cyclone, morta em 1919. A segunda parte desta trilogia, A Estrela do Absinto, de 1927, seria ainda inspirado pela mesma mulher.

Logo depois da Semana, no segundo semestre daquele, Oswald é apresentado a uma nova artista, recém chegada de Paris e amiga de Anita Malfatti, a pintora Tarsila do Amaral. Ela imediatamente encanta a todos do grupo e Oswald passa a trocar correspondência regular com a pintora. Juntos, eles formam o Grupo dos Cinco, ao lado também de Mário de Andrade, Anita Malfatti e del Picchia. Neste ano tumultuado, Oswald publica o primeiro romance da Trilogia do Exílio, com capa ilustrada por Anita Malfatti. Tarsila do Amaral pintaria neste ano os famosos retratos de Mario e Oswald de Andrade.

Uma nova aventura francesa

Em 1923 Oswald começa seu romance com Tarsila do Amaral, e o casal parte em uma nova viagem para a França. Em Paris, Oswald realiza uma conferência sobre o modernismo brasileiro na Universidade de Sorbonne, L’effort intellectuel du Brésil contemporain, como parte de sua atividade militante para a divulgação do movimento.

O casal permaneceria em Paris durante praticamente o ano todo, período importante para a absorção do estado de espírito que animava os principais representantes da Escola de Paris. Em pouco tempo, o ateliê de Tarsila se tornaria um ponto de encontro de diversos artistas importantes desta cena cultural. Ela mesma contaria: “No meu Studio na Rue Hégésippe Moreau, em Montmartre, se reunia toda a vanguarda artística de Paris. Ali eram freqüentes os almoços brasileiros. Feijoada, compota de bacuri, pinga, cigarros de palha eram indispensáveis para marcar a nota exótica. E meu grande cuidado estava em formar, diplomaticamente, grupos homogêneos. Primeiro time: Cendrars, Fernand Léger, Jules Supervieille, Brancusi, Robert Delaunay, Vollard, Rolf de la Maré, Darius Milhaud, o príncipe negro Kojo Tovalou (Cendrars adora os negros). Alguns dos acima citados passavam para o grupo de Jean Cocteau, Erick Satie, Albert Gleizes, André Lhote e tanta outra gente interessante. Picasso aferrado ao trabalho, pouco saía; Jules Romains e Valéry Larbaud eram também bons amigos”.

Ao final da temporada européia do casal, eles são homenageados em um grande banquete pela sociedade Amis des Lettres Françaises.

Este contato profundo dos brasileiros com a cena parisiense ajudariam a dar o caráter cosmopolita e vanguardista ao desenvolvimento da cena brasileira. A obra de Oswald particularmente, por este fato, seria também a mais radical, tecnicamente avançada e intelectualmente internacional dos escritores brasileiros. Deste modo, produz-se as “coinciências” interessantíssimas do período, como terem sido publicados ao mesmo tempo, em 1924, o importante Manifesto do Surrealismo de André Breton em Paris, e, em São Paulo acontecer o lançamento do Manifesto da Poesia Pau Brasil, de Oswald de Andrade.

A poesia Pau-Brasil

O texto é publicado em 18 de março, no Correio da Manhã, e tem grande repercussão entre a intelectualidade brasileira. Era a sistematização teórica das tendências que animavam toda sua geração. Seu texto é um dos grandes clássicos da literatura nacional: «A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos. O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner submerge ante os cordões de Botafogo. Bárbaro e nosso. A formação étnica rica. Riqueza vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança».

Nele, Oswald defendia a criação de uma tradição poética nacional de fato, que traduzisse em versos as verdades profundas da cultura brasileira, seu folclore, seus costumes, sua mentalidade. Que se apoiasse em sua linguagem nativa, nos provérbios, nas características mais típicas do povo. Sobre isso, contra a poesia “importada” produzida aqui apoiada em formas e temas estranhos à realidade brasileira, ele propunha uma poesia de “exportação”, um legítimo produto brasileiro para ser exibido no mundo afora. Uma “poesia anda oculta nos cipós maliciosos da sabedoria. Nas lianas da saudade universitária”. Ao manifesto, segue-se o seu primeiro livro de poesias, Pau-Brasil, que exemplificaria a defesa feita por Oswald em seu manifesto. Com versos sintéticos, despojados, utilizando ao mesmo tempo, a linguagem dos cronistas dos descobrimento e dos jesuítas, à linguagem coloquial contemporânea.

Iniciava-se a fase mais brilhante e inventiva da carreira de Oswald de Andrade e do modernismo em geral. Ao lado de Tarsila, formaram o elegante casal “Tarsiwald”, como o chamou Mario de Andrade. Juntos promoviam grandes reuniões culturais em sua mansão, na Alameda Barão de Piracicaba.

Data de 1924 a grande viagem realizada pelo grupo modernista em companhia ao poeta Blaise Cendrars. A chamada Caravana Modernista que faria a viagem de “redescoberta do Brasil”, seguindo de São Paulo ao Rio de Janeiro para assistir ao carnaval, e seguindo logo após para as cidades históricas do interior de Minas Gerais.

Ainda neste ano surgiria também um de seus romances mais expressivos, Memórias Sentimentais de João Miramar, que concluíra em Paris. O livro apresentava todas as inovações que caracterizaram seu romance de estréia, acrescido de uma nova maturidade, narrando as impressões e conflitos sentimentais de um ilustre membro da burguesia paulistana da virada do século XX. Tecnicamente bastante avançado, revelava a assimilação das modernas literaturas futurista, cubista e dadá. A obra apresentava recortes das crônicas jornalistas, passagens de diários, cartas, bilhetes e poemas e uma linguagem que já assimilava a poesia Pau-Brasil, traduzida agora em prosa, o terreno mais típico da literatura de Oswald. Estilo que o poeta Haroldo de Campos em seu estudo associou à moderna técnica cinematográfica como eram desenvolvidas pelos soviéticos na mesma época.

O fracionamento do modernismo

Em 1925 o casal Oswald Tarsila formaliza sua união e parte, em 1926, para uma nova grande viagem, agora, ao Oriente. Passam pela Grécia, Turquia, Israel e Egito.

Em 1926 abre-se de uma maneira mais clara, a fissura que dividiria os modernistas em grupos antagônicos. Em oposição à poesia Pau-Brasil, Plínio Salgado, Menotti Del Picchia, Cassiano Ricardo e Cândido Mota Filho fundam o grupo Verde-Amarelo, primeiro núcleo artístico de uma ala direita que começava a se delinear.

Essa fissura acompanhava o processo de crise da situação política brasileira, que, entre as diversas crises do café e a instabilidade econômica e política internacional, abriam caminho para uma crescente mobilização da jovem classe operária brasileira. No Brasil, esta crise deu seus primeiros sinais já em 1917, com a greve geral da indústria e do comércio. Em 1922, o movimento tenentista revela-se com o levante dos 18 do Forte de Copacabana. É o ano também da fundação do Partido Comunista Brasileiro, como resultado da nova consciência da classe operária brasileira.

Nos dois anos seguintes, a crise havia se aprofundado a ponto de começar a envolver toda a intelectualidade burguesa neste movimento revolucionário.

O grupo Verde-Amarelo, deste modo, já os primeiros sinais de um modernismo rasteiramente nacionalista em oposição às idéias internacionalistas dos artistas reunidos em torno da revista Klaxon e do grupo Pau-Brasil. O grupo liderado por Plínio Salgado rejeitaria o que chamavam de “nacionalismo afrancesado” dos demais grupos. Em outras palavras, rejeitavam a influência das artes internacionais sobre o movimento nacional, particularmente em suas técnicas experimentais. Retrocederam, com o passar dos anos, a formas mais convencionais de expressão ausentes de inovações, como o romance realista-naturalista, e a exaltação dos aspectos ingênuos e pitorescos da cultura popular. O que Plínio Salgado chamaria de “nacionalismo ‘interior’, intuitivo” e o que Oswald de Andrade chamaria, com muito mais propriedade de “macumba para turistas”.

Em 1927, o modernismo havia já se fracionado em diversos grupos de orientações nacionalistas diversas: O Verdeamarelismo, o Klaxon, a Anta, o Jaboti e o Pau-Brasil. No ano seguinte, os diversos embates ideológicos culminariam em uma nova consciência das tarefas necessárias ao desenvolvimento do modernismo nacional. Da ala esquerda do movimento nascia a Antropofagia, a maturação de toda a experiência em uma década de modernismo.

A Antropofagia

Certa noite de 1928, em uma reunião de amigos na casa de Mário de Andrade, Oswald lê pela primeira vez o texto recém terminado do Manifesto Antropofágico, que abriria caminho para a etapa madura do movimento. O texto brilhantemente escrito é hoje um dos mais expressivos documentos da literatura nacional: “Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.

“Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.

Tupi, or not tupi that is the question”.

A leitura causa sensação entre o grupo. Poucas semanas depois, em maio, o texto era publicado no número um da Revista de Antropofagia fundada por ele, Antônio de Alcântara Machado e Raul Bopp, que havia rompido com o grupo da Anta. Os marcos iniciais desta etapa do modernismo, como considera Oswald de Andrade, serão as obras-primas “puramente antropofágicas” Macunaíma, de Mário de Andrade, e Laranja da China, de Alcântara Machado.

O grupo será formado por Oswald de Andrade, Alcântara Machado, Manuel Bandeira, Raul Bopp, Tarsila do Amaral, Guilherme de Almeida, Pagu entre outros, e concentrará sua atividade em torno das atividades editoriais da revista. Se estendendo ao longo de dez números, depois se transformaria em um suplemento semanal do Diário de São Paulo, encerrando suas atividades em agosto de 1929 em meio à dispersão geral do grupo.

No campo oposto, estariam os escritores do Grupo da Anta, com Cassiano Ricardo e Plínio Salgado, futuro criador da Ação Nacional Integralista, movimento fascista brasileiro.

O ano de 1929 seria marcado pelo grande assombro da burguesia mundial após o crack da Bolsa de Valores de Nova Iorque, que se desenvolveria em uma crise geral de superprodução em todos os grandes mercados internacionais. Seria o fim da era de ouro do café brasileiro.

Ás vésperas da Revolução, seria também o ano decisivo na evolução do artística de Oswald de Andrade. Conhece neste ano o poeta surrealista Benjamin Péret, que chegava ao Brasil com sua esposa Elsie Huston; separa-se de Tarsila do Amaral, rompe sua amizade com Mário de Andrade e Paulo Prado, representantes de uma ala centrista do movimento, e parte, por fim, para a Bahia, ao lado de sua nova companheira, a jovem escritora Pagu. A crise de seus negócios, o fim da farra especulativa que havia contribuído para a primeira fase do modernismo, o ascenso revolucionário da classe operária e esta nova união marcaria a aproximação de Oswald de Andrade com a militância de esquerda.

Um período militante

Casa-se com Pagu em 1930, em uma cerimônia nada convencional no celebrada no Cemitério da Consolação. Meses depois a igreja os obrigaria o casal a se retratar por esta atitude. Inicia-se a Revolução que arrancaria o controle do país das mãos da burguesia latifundiária, passando-o para a burguesia industrial e financeira.

“Mil novecentos e trinta… Tudo estourava, políticas, famílias, casais de artistas, estéticas, amizades profundas. O sentido destrutivo e festeiro do movimento modernista já não tinha mais razão de ser, cumprido o seu destino legítimo. Na rua, o povo amotinado gritava: – Getúlio! Getúlio!… Na sombra, Plínio Salgado pintava de verde a sua megalomania de Esperado”. Era ao movimento fascista brasileiro que Oswald se referia, reflexo da crise econômica e da revolução proletária que geraria sua contraparte reacionária, alinhando nas fileiras da Ação Integralista Nacional, camadas da pequena-burguesia descontente.

Após a revolução, Getúlio Vargas estaria na cabeça da presidência, destituindo as oligarquias do poder público nacional. Em meio à derrocada da economia brasileira, Oswald vivia sua louca paixão por Pagu: “Quando eu morrer serei a noite de Pagu. Hoje sou o dia de Pagu”. Quando ela regressa de uma viagem à Argentina, onde conhece Luis Carlos Prestes, Pagu volta a São Paulo disposta a iniciar uma atividade política. Ambos filiam-se então no Partido Comunista Brasileiro.

Era então 1931. Oswald já havia concluído sua trilogia Os Condenados, lançado sua segunda coletânea poética, o Primeiro Caderno do Aluno de Poesia Oswald de Andrade, e o inovador romance experimental Serafim Ponte Grande. Começaria aí a etapa mais política de sua carreira literária.

Funda, com Pagu, em março deste ano o jornal político O Homem do Povo, apesar da vida efêmera – apenas oito exemplares – causaria um grande desconforto à burguesia nacional, expondo figurões da política e da intelectualidade. Sua linha política era a do PCB. Á maneira da debochada revista literária francesa Revolução Surrealista, o jornal O Homem do Povo também realizaria polêmicos enquetes como Qual o maior bandido vivo no Brasil? Onde apareceriam nomes como Padre Valois de Castro, Arthur Bernardes, Cardeal Sebastião Leme, Francisco Morato, ou o General Miguel Costa. Por fim, as atividades do jornal foram empasteladas por ordem do Delegado Geral de São Paulo, após um grupo de estudantes de Direito do Largo São Francisco começarem a hostilizar o jornal e invadirem a redação de O Homem do Povo aos gritos de “lincha”, “mata” ou “morra o comunismo”. Isso como resposta aos ataques de Oswald contra a faculdade em um editorial do jornal: “Fechado no mais estreito e pífio provincianismo, vertendo apenas o pus que brota dos dois cancros de São Paulo – A Faculdade de Direito e o café – o manifesto do Partido Democrático fixa bem para olhos ingênuos dos que acreditam nas meias revoluções…” 

O teatro oswaldiano

No mesmo ano, Pagu sofreria sua primeira prisão, após participar de um comício de estivadores em Santos contra a condenação à morte dos anarquistas norte-americanos Sacco e Vanzetti. Ao longo de sua militância, Pagu seria presa diversas vezes, sendo inclusive torturada. Oswald da mesma forma passaria por 13 detenções sob o governo Vargas.

A relação dos dois não vai muito longe. Depois de sua soltura, Pagu separa-se de Oswald, seguindo imediatamente em viagem como correspondente jornalística. Nesta época, desconfiada da orientação stalinista seguida pelo PCB, ela passaria a integrar a fração trotskista brasileira, escrevendo para sua imprensa regular. Oswald, por seu lado, ainda que em meio da brigas e desentendimentos, se manteria filiado ao PCB até o término da Segunda Guerra.

Durante a década de 1930, o escritor se dedicaria principalmente ao teatro, aspecto de sua produção até então precariamente explorada. Em um intervalo de cinco anos, deixaria três textos fundamentais do teatro brasileiro, O Rei da Vela, de 1933; O Homem e o Cavalo, de 1934; e A Morta, de 1937.

O Rei da Vela, seguramente sua peça mais importante, traça a impressionante história da derrocada da burguesia cafeeira. Oswald se concentra no universo da burguesia despedaçada pela falência econômica. Um retrato social lúcido da sociedade capitalista, onde o parasitismo e o lucro sobre a ruína alheia são um imperativo. No submundo da usura e dos penhores, Oswald retrata os «novos miseráveis», destacando a histeria de indivíduos que passaram toda sua vida se beneficiando da exploração alheia e que se vêem diante de uma estranha inversão de papeis.

Do mesmo modo, O Homem e o Cavalo, a peça mais radical do escritor em ruptura com o teatro naturalista, Oswald de Andrade procurará traçar a comédia humana desde a ilusória saída apresentada pela religião aos males do mundo, até a verdadeira libertação, palpável, terrena, econômica, política e espiritual, que representa a revolução socialista.

A Morta, tratará também da necessidade da revolução social como único veículo para a libertação do espírito humano, mas isto feito certamente da maneira mais estranha. Considerada a mais insólita e hermética do teatro oswaldiano, sua protagonista é Beatriz, personagem de Dante Aliguieri, cuja imagem serve como elemento lírico ao discurso existencialista e introspectiva do escritor. Ele expressava já neste texto, toda a angústia do período, esmagado pela ofensiva da contra-revolução durante a instauração do Estado Novo e a nova onda repressiva que se seguiu ao fracasso do Levante Comunista de 1935. Iniciavam-se os anos de refluxo da classe operária brasileira e a dispersão das vanguardas já às vésperas da Segunda Guerra.

Os anos de crise

Este se revelaria um período de impasse do escritor. Com a brutal ditadura imposta por Vargas, nenhuma de suas peças poderia ser encenada. Este desânimo parece resvalar para sua produção, que deixa como documento de época, seu poema-bufo inacabado O Santeiro do Mangue, que por sua inventividade e energia o aproximava do teatro-bufo de Maiakovski em seus anos pós revolucionários. Trazia uma ácida visão da sociedade brasileira simbolizada pela exótica paisagem do Mangue.

Outro empreendimento irrealizado destes anos, é sua tentativa de retomada da Antropofagia com um movimento que se intitularia Zumbi, mas que acabaria com seus membros dispersados ainda durante os preparativos. Buscando superar a inação de algum modo, anuncia sua candidatura à cadeira dos Imortais da Academia de Letras. Era um deboche de Oswald, e tornou-se célebre sua carta ao presidente a instituição:

“Senhor Acadêmico:

“Será V.S. uma das raras inteligências deste Grêmio que compreendem a atual situação do mundo, e portanto, da própria Academia? Ou será V. S. um dos membros da quinta-coluna, que camuflados no fardão, sabotam aí dentro, as magras conquistas do espírito brasileiro?

“Passará pela cabeça de V. S. alertada pelos bombardeios contemporâneos que o fim dos quarenta imortais que nas últimas décadas adormecem o espírito francês sous la coupole, pode ser um campo de concentração? Ou será V. S. daquelas teimosas velhas de Botafogo que ainda acreditam no pavoneio dos títulos literários, roubados aos verdadeiros trabalhadores da cultura?”

Dedica-se a fazer grande propaganda de sua candidatura, nas rádios, jornais e mesmo comícios públicos. Percebia já a operação de obscurecimento de sua obra então em marcha, tanto pela exclusão de seu nome das histórias literárias de Manuel Bandeira,Tristão de Athayde, quanto das palestra de Mário de Andrade sobre o movimento modernista. Sobre a candidatura, não tinha ilusões, como ele mesmo afirmaria, era “um paraquedista que se lança sobre uma formação inimiga”.

«Acima da compreensão brasileira”

Durante os anos da guerra, encerraria o período dramatúrgico de sua carreira retornando ao romance. Elabora um grande projeto de cinco volumes que traçariam todo o ciclo de ascensão de derrocada do ciclo do café no Brasil. A série se chamaria Marco Zero, composta pelos livros, A Revolução Melancólica, Beco do Escarro, Chão, Os Caminhos de Hollywood e A Presença do Mar. A série permaneceria inconclusa, apenas com os dois primeiros volumes terminados, mas que indicavam a criação de nova epopéia nacional. Formalmente, estes livros revelavam um abandono da inventividade de seus romances dos anos 20, mas ressaltava o profundo interesse político do escritor, adquirido por ele desde sua filiação no PCB.

Isso não significaria, no entanto, o abandono de suas idéias vanguardistas dos anos da Antropofagia. Pelo contrário, defensor incondicional deste novo caminho para a literatura brasileira, seria um crítico ferrenho da chamada Geração de 45, que representavam um retorno ao passado. Criticou publicamente este empreendimento em 1948, no Congresso de Poesia onde estes nomes emergentes das letras nacionais compareceram.

Oswald participaria ainda do movimento de reação a esta poética. Colaborando na Revista Brasileira de Poesia, dirigida por João Cabral de Melo Neto e Antônio Cândido entre outros, ajudaria a promover a geração dos novíssimos, entre eles Vinicius de Moraes, Décio Pignatari e os irmãos Campos.

Apoiado por estes poetas, Oswald reconquistaria sua importância histórica no desenvolvimento da literatura nacional. Um grande trabalho de resgate de seu nome seria feito ao longo da década de 1950 pelos poetas do Movimento Concretista, reivindicando para si as mais radicais experiências do verso em língua nacional do qual Oswald de Andrade era seu maior expoente.

O escritor, já com 64 anos, bastante debilitado e vítima de diabetes, morreria em 22 de outubro de 1954. Ele trabalhava então em sua autobiografia, obra recomendada por seu amigo, o crítico literário Antônio Cândido, como forma de consolidar seu nome, sua vida e sua importância no movimento de renovação das letras brasileiras. O primeiro volume da série Um Homem sem Profissão, com o subtítulo humorístico Sob as Ordens de Mamãe permaneceu inacabado e foi publicado pela primeira vez em A Gazeta, um dia após sua morte.

Sua obra, colocada completamente à margem da cena literária brasileira desde a década de 1930, somente seria resgatada cerca de dez anos depois de sua morte, através dos ensaios críticos de Antônio Cândido que faria justiça ao seu legado, além das contribuições críticas dos concretos Augusto, Haroldo de Campos e Décio Pignatari, e da importantíssima montagem famosa da peça O Rei da Vela, feita pelo dramaturgo José Celso Martinez Correia e hoje considerada um divisor de águas da dramaturgia nacional. Hoje o autor tem novamente seu nome blindado na história literária brasileira e figura essencial do modernismo de 22. Nos últimos 30 anos, ganhou já duas edições de suas Obras Completas, reeditadas diversas vezes, e tem seu nome incluso nas mais importantes histórias da literatura.

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